Cérebro Insone

Impressionante o que uma goteira suíça, uma televisão desligada e uma mente bastante desprovida, podem fazer com uma noite. Não adianta nem culpar a pobre da insônia, aquela vadia sem coração, pois o verdadeiro culpado é o cérebro limpo e agitado, que tem medo de dormir e nunca mais acordar. Tolo. Logo ele que sabe mais do que ninguém.

Sabe, mas, sabe pouco. Sabe tão pouco que não para de questionar. Tenta solucionar o que nasceu para ser incompreendido. Busca decifrar segredos onde não existem. Insiste, naquilo que nem o homem do devir poderá explicar;

Se pergunta qual a razoabilidade de uma linha imaginária delimitar a autonomia? Podem os mares, as montanhas e os estreitos, do alto de toda a magnitue, dispersar toda a semelhança humana?

Busca, por todos os cantos, compreender as flâmulas, os brasões e os escudos, que possuem o direito, pleno, da segregação. Observa, inconformado, o poder de um homem fardado reprimindo qualquer liberdade. O soldadinho de chumbo do Toy Story totalitário.

Reflete, profundamente, quando pensa no ancião barbudo e de camisola branca que impõe o radicalismo cego aos seus fiéis súditos. E, gargalha, ao visualizar a figura na sacada, que com muita audácia prega a solidariedade, mesmo trajando um pomposo chapéu de três pontas e calçando Prada.

Automaticamente, tenta desviar o assunto. Em vão. Ele acessa outras informações, traz lembranças adormecidas e desperta outros sentidos. Aguça a audição, porém, nem as gotas ritmadas conseguem distrair. A caixa de pandora está aberta e não há nada que possa ser feito.

De súbito, surge a imagem de um Estado. Um Estado que institucionaliza a religião e que não consegue entender qual a razão do desprezo de seu co-irmão. Vizinhos, que não sentem compaixão. Olhos iguais, que diante de um espelho, confundem miragem com um borrão.

Em seguida, aparece uma estrela, uma cruz e uma lua crescente – bastiões do ódio e da intolerância – não dizem nada. Talvez, algum pagão saiba explicar a origem. Como já foi dito, esse cérebro pensa que sabe – complexo de Wikipédia – mas, não agüenta duas buscas.

Um cenário deslumbrante é construído, a natureza no seu esplendor mais raro. Provavelmente, a projeção inconsciente de um descanso de tela - a mente quer parar de trabalhar. De repente, uma águia imponente voa um pouco acima da nossa majestosa arara, um urso de polainas urra, assim como o tigre, o elefante e os dragões. Um tijolo acerta a águia em cheio, mas, ninguém dessa fauna está preocupada com a preservação.

Por um momento, ele fica confuso. Tal qual, quando se depara com uma ilusão de ótica. Muitas imagens, muitas cores. Melhor do que não ter cor alguma, conclui. Aliás, a pigmentação da pele pode definir algum grau de fraternidade? Pensa, processa e não responde. Todavia, não tem nenhuma dúvida.

Será que uma herança pode amaldiçoar um futuro?

Os primeiros raios de sol castigam a retina e, com eles, as reflexões são obrigadas a acelerar seu ataque. Bombas e tanques, que tentam convencer. Rosas e retratos, que tentam consolar. Álcool e remédio, que fazem esquecer. Tinta e papel, que precisam anotar.

Pronto, acabou a moleza. Um novo dia começou e o cérebro precisa trabalhar. Chega de pensar. Chega de questionar. Chega de pseudo-filosofar. Faça novamente tudo igual e se concentre nas mesmas coisas, pelo menos até a próxima noite perdida.