MAR SOMBRIO - CRONICAS HISTÓRICAS

Era um vento forte, intenso e frio. Muito frio. A lua não se podia ver, muito menos o Cruzeiro do Sul. Eram já sete dias de escuridão completa. O mar hoje estava bravio com ondas intensas, que balançavam a caravela para todos os lados. O pânico tomava conta dos tripulantes e todos faziam suas orações amedrontados, pedindo perdão pelos pecados e rogando ao mesmo tempo pela vida. Eu sou o capitão da frota e não posso demonstrar medo. Ergo minha cabeça e ombros, não vacilo e digo sempre palavras de encorajamento, o que nem sempre funciona, mas pelo menos acalmava os ânimos temporariamente. Eu também temia por dentro. O desaparecimento da nau de Vasco de Ataíde em 23 de março em alto mar assustava-me muito. São milhares de homens sob meu comando e eu sou responsável pela vida de todos. Aquele 9 de março foi muito festivo e cheio de muitas expectativas para nos deixarmos assustar tanto. Lembro-me claramente de tanta gente abanando as mãos e desejando-nos boa viagem. Que saudade daquela segurança do cais. Como foi bom sentir-me um herói, um guerreiro rumo à batalha. Mas que heroísmo tem aquele que não se arrisca. É, mas não são raras as histórias de naufrágios e mortes, e eram muitos os marinheiros que não voltavam. Em Portugal são muitas as lágrimas das mulheres viúvas, de marinheiros e de certezas sobre o paradeiro de seus efêmeros maridos.

Passada a tormenta, a viagem continuava e devia continuar. Longo é o caminho até as Índias. Que Deus tenha misericórdia de nós, era meu pedido constante. Que cheguemos em paz a nosso destino. Perdidos na imensidão azul desse oceano que guarda tantos de nossos marinheiros e que a qualquer momento está pronto para nos acolher também em suas águas imensas e intermináveis. Como o mundo é grande e como somos pequenos. Nossas naus são apenas pontos insignificantes neste azul sem fim.

Havia cessado o vento e a calmaria que nos faz ficar quase parados traz também calmaria às nossas almas aflitas, ansiosas e assustadas. Mas a viagem continuou. Estamos agora em alto mar e parece que estamos fora da nossa rota original. Na verdade, não sei onde estamos, mas não posso falar nada, posso perder minha autoridade moral e ainda vou desestimular a tripulação. Então sempre em frente. Foi quando vi pássaros no céu azul como um presente de Deus. Então, mais alguns metros de navegação e ouvi gritos de alegria, aquele preso na garganta de semanas intermináveis de terra à vista. Era um monte alto, e ao nos aproximarmos mais um pouco vimo-nos numa ilha encantadora e também vimos nossas almas se encorparem de uma coragem ainda não vista nesta tão árdua viagem. Meus homens pisavam a terra e riam como crianças que ganham um brinquedo. Deus nos abençoou. Concedeu-nos a terra, a água doce de volta e ainda nos fez heróis por encontrarmos esta terra para sua majestade.

Meu coração não se continha de alegria. Estávamos salvos, a tripulação encorajada. Restou-nos rezar e agradecer tamanha graça. Por dias fiquei lá, esperando um sinal de ouro ou prata, que não vimos. Mas era uma terra linda. Ah, se eu pudesse ficar aqui e viver uma vida simples como vivem esses homens daqui. Sentei-me nas pedras desta praia imensa em que ancoramos e olhava para o infinito. Onde estaria Portugal? Onde estava minha terrinha que com saudade deixei há algum tempo? Era forte a saudade. Nem tanto a saudade, pois nem era tanto tempo assim, e preciso ser homem duro nas palavras e ações. Mas aqui sozinho eu choro. São lágrimas de um ser humano que sou. Na nau eu sou o capitão Pedro Álvares Cabral, aqui sou eu apenas, despido de meu título e de minhas pompas, sou apenas um perdido neste lugar desconhecido e selvagem, sem família e sem amigos em quem de fato posso confiar. Sou um homem de comando com uma missão nobre e não posso falhar e decepcionar o rei. Tenho que ser forte. Mas o mar é incerto, assim como incerto é nossa viagem e os perigos potenciais que teremos que enfrentar. Vamos às Índias. Portugal nos espera.

Homens ao mar! Partimos desse lugar paradisíaco. Mas partimos mais homens e menos brutos. Ao menos eu. Não sei se assim permanecerei. A minha gratidão a Deus me fez um pouco melhor neste lugar. Gostaria que minha dureza não pudesse ser novamente concretizada ao conquistar novos povos. Que Deus me ilumine e me conceda a graça de chegar ao meu destino com segurança, junto com os meus. E partimos. Fui com os olhos lacrimejando num misto de expectativa e despedida deste lugar que um dia dará muitos frutos a Portugal. Foi difícil conter a emoção ao deixar para trás aquelas praias de águas quentes e de um verde tão vistoso como jamais vi na Europa. Em frente seguiremos. Muito ainda há que se percorrer. Vou repousar um pouco, aproveitando a noite que se aproxima, ouvindo esse burburinho do mar calmo de hoje. Deus esteja conosco e nos guarde.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 06/05/2011
Reeditado em 07/05/2011
Código do texto: T2953019
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