TERMINHO CHULO UMA OVA!

Olhando para trás, deveríamos tomar raiva da ditadura de que fomos vítimas e assistentes oculares. Eu, vocês aí e o Vandré. Este, pelo que sei, calou o bico até agora. Lacrou-o com cola-tudo. Vítima como tantos brasileiros. Agora, poucos, bem poucos viram a desgraceira da coisa. Até que ouviram falar, mas não viram direito como a coisa era. Contudo, até que a viram, só não a enxergaram nem assistiram a ela. Eu a vi com estes olhos que a terra há de comer. Uma m... de arbítrio que se nos houve, neste País.

Por qualquer bobagem o camarada tomava lá um baita chá de cadeia, ou de sumiço, durante aquela b... de regime que se nos ocorreu. Não tinha ai nem ui. Pegava-se cana, na maior grande. Aquilo, lá, foi uma farra de ‘putaria’. Não gostava desta palavrinha chula, mas, um dia, lá no Recife, justo na livraria Livro Sete, abri um livro do Liedo Maranhão, e, com o maior descaramento, num dos capítulos do livrinho, estava o epíteto, como título: “Literatura de Putaria”. Foi quando, a partir daí, “por osmose”, passei também a usar o vocábulo. Antes eu achava uma m... o tal vocábulo, coisa chula de puteiro de ponta de areia, igual à ditadura dos referidos “anos de chumbo”.

E, por falar, a expressão “por osmose”, pela primeira vez na minha vida, eu a escutei de um escrivão da PF, aquele tipo de gajo que fica a digitar tudo o que o ‘delelusca’ nos vai perguntando, ao longo da b... de um interrogatório. O sujeito estranhava as mentiras que a gente ia assacando, durante as sessões de perguntas, aí, vez em quando, queria se destacar como agente de opinião formada. Assim, o metido bobo da corte sapecava aos narizes do preso e do seu ‘delega’ a seguinte frase: “Um rol de mentiras, aqui, e tudo se dá ‘por osmose’”. Ô cabra pra falar difícil!

Uso, hoje, o terminho chulo ‘putaria’. Aliás, chulo uma ova! Naqueles tempos de “Brasil, ame-o ou deixe-o!”, não, que eu ainda era cheio de aragens e puritanismos na ponta da língua. Sou adepto, atualmente, um useiro e vezeiro do termo. Hoje eu já o uso, cá, bem na tabuleta das ventas. Não gostava, achava a palavra uma m..., igual à ditadura. O Liedo Maranhão que me deu o mau exemplo. Olhem só que termo chulo! Putaria, sem nem lhe pôr as aspas. Tão chulo que você não o associa com bunda, Brasília, tortura, mensalão, casas do povo, que nem coisas tais e quais. Você só associa a palavra com coisa sórdida. Aliás, puta é pouco para traduzir a indignação da carga afetiva do termo. E o Gabriel García Márquez não lançou na praça ‘Mis putas tristes’? E, pois, então?

Um dia, quem sabe, vou botar a dita-cuja palavrinha em algum documento oficial, nas fuças de memorando, edital, ordem de serviço: correspondência oficial, papel com timbre de cartório. Sem quê nem pra quê, sapeco lá na beira do papel oficial: “A putaria da minha reivindicação cai de chofre e em momento oportuno por conta da putaria das conveniências atuais, etc., etc.”

E aí, já no índex das putarias burocráticas, estarei ferrado à mesa da putaria de um inquérito policial militar. “Ai, seu m..., você infringiu a lei do decoro do Serviço Público.” Quem sabe, como aqueles regulamentos do AI-5. Decididamente, a palavrinha pegou, mas ainda perde para a sua parenta: baderna. Os milicos adoram esta. “Chove baderna nos meios estudantil e sindical.” Não, eles não usavam concordância assim, dentro dos trâmites gramaticais. O fato é que o termo enquadra-se bem na chulice da linguagem das putarias hodiernas. E não haverá putaria tucana que se nos equipare à moda da putaria das invasões ianques.

Vou oficializar o termo, em definitivo, e qualquer parlamentar que se preze tem que utilizá-lo ao longo do grande expediente das sessões de falatórios. Mestre Aurélio, por favor, sem escrúpulo, retire o vocábulo da camarilha dos termos chulos. O Houaiss já o fez. O palavrão, na hora oportuna, é a coisa mais líquida e certa que podemos e devemos transpor para a realidade das putarias do papel. Jorge Amado e Lins do Rego mandavam brasa no palavrão e a Literatura nunca que os pegou pelo pé. Então, que viva a putaria das impunidades, no Brasil!

Fort., 15/05/2011.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 15/05/2011
Reeditado em 15/05/2011
Código do texto: T2971363
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