DOIS PATINHOS NA LAGOA

Não faz tanto tempo assim, em vôo panorâmico sobre Bom Despacho se observaria que seu conjunto de ruas e praças dava à cidade uma forma triangular. Num lado o Arraial dos Lobos, refúgio de novos-ricos, com seus imensos quarteirões desabitados, mas nem por isto menos preferido pela moçada namoradeira, em ‘amassos’ noturnos de deixar os vidros dos carros suados por dentro! De outro o Quenta-sol, espremido entre a siderúrgica e a fábrica de tecidos, domicílio de operários que antes ou depois do serviço, assentados nas calçadas apreciavam os primeiros ou derradeiros raios do astro-rei, se inteirando da via alheia e assim justificando o nome do lugar. Por fim a Tabatinga e sua teia de vielas mal traçadas e piormente iluminadas, casario acanhado, reduto de diaristas. Uma salada misturando igrejas de crentes, terreiros de macumba, capoeira, vendinhas, botecos... Escurecendo, aquilo virava um formigueiro humano!

Embora se diga que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa, tem coisa que muita gente não sabe que coisa é! Trocando em miúdos: casamento! Não existe receita para a felicidade entre o agora e o até que a morte os separe. Por mais que se façam planos, escapa sempre aquele detalhe importante! Tal qual acontecido com o Berinho: hoje compenetrado agente de segurança – eufemismo para guarda de agência bancária –, que quase jogou a toalha quando sua cara-metade lhe anunciou a gravidez de trigêmeos! Ele que já defendia o pão de cada dia mourejando em dois empregos, teve que se virar aderindo a um terceiro. Estabeleceu um boteco na Tabatinga.

Botequeiro não precisa de muito tempo para aprender duas coisas: primeira, dobrar a pinga adicionando-lhe água; segunda, botar logo no recinto uma mesa de sinuca. Esperto, o Berinho inovou: às escondidas, como se há de fazer, adaptou dois cômodos da casa de morada para carteado e víspora – ambos valendo dinheiro! Evitando fila à porta, que atiçasse os milicos, os fregueses deixavam seus nomes num caderninho e conforme as vagas surgiam eram convocados. O ‘barato’ ou comissão do estabeleciomento batia nos dez por cento! Verdadeira mina de ouro.

Disfarçada atrás da velha geladeira, ficava a passagem secreta de acesso à sala de jogos, ou o cassino propriamente dito: cinco mesas e respectivas vinte cadeiras... Não tardou, contudo, algum concorrente invejoso batendo a língua fora da boca, fez denúncia anônima sobre a jogatina pousar na mesa do Delegado. Incumbido das averiguações, um detetive novato na cidade bebeu, jogou, comeu, e fez anotações em papel de maço de cigarros – dando conta de tudo que se passava ali.

Teria sido só mais um meio de semana movimentado, não houvesse baixado lá todo o efetivo da Polícia Civil. A parte do cassino regurgitava de apostadores! Eufórico, naquele fatídico instante, o ‘chefão’ cantava a víspora como sempre fazendo piadinhas para cativar a clientela: – Opa, 77! Dois machados num pau só! – Marca aí, 22! Dois patinhos na lagoa... Quando um sujeito de voz estranha, que chegou trazendo a portinhola secreta no peito, gritou: – 171! Contravenção Penal! Todo mundo botando as mãos na parede, e abrindo as pernas! Era o delegado.

De nada valeram os choramingos do Berinho. Numa caixa de papelão recolheram-se cartelas, baralhos e, infelizmente, a dinheirama das apostas. – Canta mais uma pedra nesta arapuca – ouviu o proprietário dizer o Delegado –, que lacro tudo e te guardo no xadrez! À saída, se abaixando, as autoridades tiveram que passar pela tal porta arrombada... Foi quando o Vascão esticou seu braço de jogador de basquete e, sem que os homens da lei percebessem, catou de volta a grana da caixeta!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 15/05/2011
Reeditado em 24/09/2011
Código do texto: T2971794