...E O MUNDO NÃO SE FINDOU!

“– Evoé, Baco!” – fez Manuel Bandeira, o bom pernambucano, desabotoando aquela mitologia greco-romana, bem nas asas de um poema.

“– Axé, meu rei, e a Bahia nem se escafedeu, visse?! Viva a Mãe Menininha, Betânia, Gal, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Marta Rocha e Ruy Barbosa, o escambau, viva!” – hoje, sem sobrosso de nada, reverbera a bela baianíssima, cor de cravo e canela, cacau nos peitos e nas cadeiras, lá no Pelourinho, e já indo atrás do Trio Elétrico.

“– Arre égua!, ô gente fia da égua pra mentir! Arre égua!” – faz o cearense, cabeça-chata, ensaiando um forró bem peneirado, ali na Ponte dos Ingleses.

“– Bá, tchê, caramba! Fim do mundo uma p...! Pastor-profeta de m...! E o mundo não ia levar a breca, ontem?” – tira desforra o gaúcho, sapecando chula no pé, à beira das águas líricas do Guíba. Então lá na churrascaria ‘La carretera’, onde churrasqueei todos os sabores da casa, e eram pra mais de cem.

Pois é, minhas amigas, meus amigos, e o mundo nem se findou, segundo o previsto e predito! Bom para ambas as partes: nós, aqui, deste globo terreal, e o camarada das nuvens, nefelibata que inventou de inventar essa potoca de juízo final. Vejam as implicações: uma senhora declarou, ontem, no rádio, que a criança dela, um pivete de sete anos, na sexta, 20 de maio, ficou a esgoelar-se de medo o dia inteiro, achando que tudo era vero e que o mundo ia mesmo arrebentar-se, feito pipoca. Que perversidade, pô!

Uns levaram mesmo na flauta, não este um, por exemplo, tirando o gringo ianque a terreiro. Eu, não. Levei a sério a profecia do gajo, tanto que garatujei umas linhas marruás, registrando o boato do fato, aliás, acontecido “que podia ter sido e que não foi”, para, de novo, sapecar aqui a caneta do Bandeira.

Vocês não viram, mas o mundo se findou, sim, senhoras e senhores. Já de véspera, há séculos, que o mundo tem o seu juízo final. Tem tido termo nas guerras injustas, nas invasões covardes dos ianques, naquele dia 11 de setembro, em que o World Trade Center voou pelos ares, e por aí vai. Mais ainda: o mundo se acaba, verdadeiramente, todo dia, para os descamisados, os lascados campesinos, operários de salário-mínimo, as vítimas do latifúndio, os sem-teto, os sem-terra. Mas, sobretudo, ‘hermanos’, o mundo tem fim dia a dia para os infortunados que mergulham na desgraça das drogas – a coca, o LSD (é o novo!), a diamba, o ‘crack’ e agora esse tal de ‘oxy’, tudo coisas dos infernos.

Vou-me embora mais cedo, hoje, neste ‘day-after’, que estou eufórico, pois o mundo aí continua, são e salvo. Prometi, ontem, tomar um porco; não tomei porco nenhum. Coisíssima alguma. Sou é quase um abstêmio. Só, por esporte, uma cerva loiruda e bem gelada. Então vinho barato, sem que seja de marca. Mas o meu, pelos olhos da cara, um presente da Lu H., é muito caro mesmo e veio lá dos Portugais, por caminhos da Paulicéia. Até mereceria morrer hoje, data em que comemoramos o continuísmo do velho universo, bola de mundo tão surrado e maltratado pelo bicho homem.

Macacos me mordam! Do jeitinho de vocês, aí, ando hoje nadando em felicidades por ainda ter no peito um coração que só sabe me dizer, à toa, lírica e idiotamente: “– Já me morri foi de tanto matar-me de ter saudades!”

Fort., 22/05/2011.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 22/05/2011
Reeditado em 22/05/2011
Código do texto: T2985700
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.