ELE GOSTA DE CARINHO

Na soleira de uma loja, que fora até bem pouco tempo um açougue, acordava um menino, destes conhecidos como meninos de rua. Pardo, magro, roupas encardidas, ainda enrolado em um velho cobertor tinha a frente de seus pés uma caixa de engraxate.

Naquela manhã de maio, céu azul, temperatura baixa para uma cidade como o Rio de Janeiro, pude eu já de longe avistá-lo. A luminosidade das manhãs de outono dá precisão aos contornos das cenas que se pode ver.

Eu caminhava, nem rápido, nem depressa, andava. A minha frente uma senhora, como outras muito comuns de serem vistas na zona sul, de coleira na mão ia calçada a fora com seu cachorrinho peludo. Aproximávamos da porta do antigo açougue. Ali a cada dia que passo posso presenciar cenas novas. São moradores ou dormidores de rua, com papelões e panos, que dão à calçada e à soleira a mutação em quarto de dormir. Vê-se de tudo. Algumas vezes são casais que ali dormem. Por vezes, homens, jovens, idosos... Quase sempre, em formato de múmia, fica a dúvida de quem, sob e entre aqueles tecidos sujos, ali estará dormindo.

A cada passo aproximávamos do cenário conhecido e do ator, o menino que bocejava. A minha frente a senhora que sem destino definido ia a mercê do cãozinho que parecia estar em busca do lugar certo para fazer xixi.

De repente, parece que o fogoso cão, de meia distância avista o menino que espreguiçava. Suas pernas curtas apressam-se e seu andar em trote em pouco tempo o coloca frente a frente com o menino, que com suas mãos sujas e unhas por cortar acaricia a cabeça do cachorrinho e diz:

- Ele gosta de carinho!