Devaneios

Passei anos e anos sem nunca tê-lo encontrado. Nem um encontrozinho desses rápidos em que não se dá muito tempo pra compreensão. Entrei e saí de livros, revistas, jornais, palestras, conversas com clientes, tio, pai, irmão, amigo, até com o papagaio e nada dele!

Encontrei-o numa dessas tardes em que não se parece ter nada de interessante pra acontecer. Esses encontros adoram esses dias. Veio escoltando uma frase de efeito, aliás, veio dando efeito à frase. Fiz um tour por arquivos léxicos mentais e nem sinal dele. Também! Impossível reconhecer o desconhecido.

Lá estava o DEVANEIO. Ou melhor, os devaneios. Ainda me lembro da frase: “E continuou falando, não notando que ela estava envolta em seus devaneios.” Meu primeiro pensamento foi achar que eram lençóis, afinal, estavam envolvendo ela... Mas logo minha percepção me fez desistir dessa idéia irônica É eu sei, foi meio sem noção, mas acontece nas melhores famílias sabia?

O fato é que daquele dia em diante, em lugares onde eu jamais imaginava, encontrava-o. Tudo que eu ia ler tinha devaneio. Era devaneio pra cá, devaneio pra lá. Até quando eu estava distraída pensando na morte da bezerra, lá estavam eles. Porque pensar na morte da bezerra é o mesmo que devanear.

E quem é o sabichão que nunca passou por isso? Ignorou involuntariamente, ou não, por muito tempo a existência de uma palavrinha, e de repente, como quem não quer nada, querendo tudo, a danada despenca na sua leitura. Assim, interrompendo o que você estava lendo (pra se informar do que ela significa) ou te deixando pensativo, sem entender nada.

A partir daí meu amigo, prepare-se. Essa criaturazinha, (me refiro a palavra), alastra-se em sua vida como praga. Onde você vai, lá está ela. Sorridente, dando tchauzinho. Hilária a cena de uma palavra te acenando, mas vamos prosseguir. Tá relendo aquele livro que precisou ler pro vestibular, quem você encontra? Ela! Você fica surpreso e desconfiado. Será que mudaram o livro? Não é possível! Há cinco anos ela não estava lá! Pelo menos você jura que não. Difícil confessar que leu, mas não prestou atenção.

Aqui vai um conselho: quando deparar-se com uma palavra dessas, não a ignore. Ouça-a. Decifre-a. Assimile-a. Registre sua fisionomia. Busque seus sinônimos. Uma boa oportunidade de dilatar seus conhecimentos. E acredite, uma vez vista, as palavrinhas desconhecidas, até então, fazem questão de forjarem coincidências. Confundem o segurança da portaria, enganam pessoas e quando você vê, ela está aí na sua festa, com aquela carinha de “você por aqui?”.

Quem sabe você está aí lembrando daqueles nomes de pessoas que da noite pro dia – ou melhor, do término do relacionamento pro dia, ou do instante em que você conheceu aquela pessoa super interessante pro dia – resolvem aparecer em todos os lugares, não te dando a chance de esquecer. Já disse que são igual praga! O nome nem é tão comum assim, mas está lá, no livro, no folheto de propaganda, no nome do novo professor, no nome do filho da amiga de sua amiga. E só deixa de te chamar a atenção quando vc mostra que já a conhece e cumprimenta. Depois? Aparecem muitas outras!

Jordana Sousa
Enviado por Jordana Sousa em 26/05/2011
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