O QUE GUARDAREI 
      NESTA VELHA LATA AMARELA?

 

 

 

 

Aceitei este desafio de Nena - a quem prezo muito e que sabe tudo sobre desafios: escrever sobre uma Velha Lata Amarela. A princípio pareceu-me tanto quanto estranho  o tema, mas aí me perguntei: e por que não?

 

Poderia falar sobre aquela lata de biscoitos finos, toda decorada, uma delícia para os olhos e o paladar. Ou a velha e bem cuidada lata onde minha mãe guardava os trocados de todos os dias, para comprar pão, leite, arroz, carne... Coisas de antigamente!

Ou, ainda, a lata velha, amarelada, onde a solteirona - apaixonada por um único homem que, rapidamente, passou por sua vida - guardava, com o maior carinho, como se jóia fosse, os bilhetinhos que trocavam às escondidas.

 

Contudo, eu, que sou uma romântica inveterada, apaixonada pela paixão, amando o amor, decidi que, nessa lata velha, de cor amarela, guardarei todos os meus sentimentos, as minhas mais remotas e belas lembranças, os amores que vivi, as minhas alegrias e tristezas, as mágoas e as feridas que já cicatrizaram em meu coração. Guardarei, ainda, as minhas mais leais amizades, todos os carinhos que recebi ao longo de minha vida.

 

Mas, principalmente, hei de guardar, nessa velha lata, a minha essência. O que tenho de mais valioso na constituição de todo o meu ser pensante.  A essência de minha alma, de meu mais profundo querer, de minha capacidade de ser eu mesma – sem retoques ou máscaras.

 

E vou torcer muito para que essa essência jamais se perca nas encruzilhadas da vida, nos caminhos tortuosos por onde ainda terei de passar muitas vezes mais.
 
E, antes de, inevitavelmente, partir,  reunirei minhas últimas forças para abrir a velha lata amarela, corroída pelo tempo e deixarei escapar, pela janela, a minha mais pura essência... 

 

Verei, com satisfação, quando ela perder-se no horizonte, sobrevoando as montanhas e os mares, o infinito azul do céu, até que o perfume impregne todo o ar... Aí sim, terei a certeza de que ficará um pedacinho de mim, espalhado por este universo.

 

(Milla Pereira)

 



Este texto faz parte do EC
Na velha lata amarela.
Saiba mais, conheça os demais participantes.
http://encantodasletras.50webs.com/lata.htm





CONTRIBUIÇÕES DOS AMIGOS:


A poeta, Marina Alves, veio enriquecer

minha página, com esta trova pra lá de linda!

Obrigada, minha querida. És bem vinda, sempre.

(Milla)

27/05/2011 14:56 - Marina Alves

 

Minha antiga latinha

Amarela, cor de ouro

Cabe em ti a minha vida

Meus segredos, meus tesouros.

 

**Adorei tua latinha, Milla! Abraço**

(Marina Alves)



O poeta Eurípedes Barbosa Ribeiro,

enviou-me este belíssimo relato.

Obrigada, meu amigo, isto só engrandece

esta escrivaninha. É muito bom receber os amigos.

Abraços, Milla

 

 

Lendo este seu texto, veio-me à mente um momento de perda, vivido recentemente. Ha pouco mais de um mês faleceu o pai de um amigo meu, que por força de parentescos surgidos em função de casamento entre pessoas das nossas familias, era avô de um sobrinho-neto meu. Era uma pessoa muito querida e que teve os seus ultimos momentos vividos em camas de hospitais sofrendo as dores de um cancer de próstata. Antes de falecer, pediu que o seu corpo fosse cremado, e que as suas cinzas fossem espalhadas pelo pasto da sua fazenda.
Após a missa de sétimo dia, celebrada numa pequena capela nas vizinhanças da propriedade seguimos,  todos os familiares, para a fazenda, e em seguida caminhamos até o pasto. Debaixo de um frondoso umbuzeiro nos demos as mãos e fizemos orações. Uma das filhas leu uma emocionante mensagem, escrita na noite anterior, lembrando aquele moço rude e de alma boa, que construira um patrimônio e uma família numerosa, ralando em lombos de cavalo pelos sertões baianos, comprando e vendendo gado. Não houve quem não chorasse. Depois das orações, a mesma filha que havia lido a mensagem, abriu o pequeno bau com as cinzas e saiu andando pelo pasto, lançando na brisa que soprava suave as cinzas de "Seu Mundinho", enquanto entoava baixinho um mantra. Aquilo foi simplesmente tocante. Logo em seguida o baú foi enterrado com parte das cinzas, próximo ao tronco do umbuzeiro. Estava cumprido o desejo daquele abençoado ser humano, que tanto amara aquela terra.

* Um abraço Milla. E uma boa noite.

 

(Eurípedes Barbosa Ribeiro)