JEITINHO BRASILEIRO

Depois que inventaram as tais portas eletrônicas – aquelas gaiolas giratórias –, a profissão de vigilante bancário virou pesadelo. Há sempre alguém querendo passar por elas com bolsa de fivela metálica, moedinhas na carteira, pencas de chaves, celulares... Aí, invariavelmente apitam escandalosas! Histérica, a coroa esbravejou com o guarda: – Quer que eu tire o sutiã e a calcinha? Já que estamos em Bom Despacho, onde o impossível é fato corriqueiro e não faltam figuras como o Graveto que, miando de bêbado, impertinente, plantado à frente da porta travada desconsertou o segurança com esta: – Agora tem teste de bafômetro até pra entrar no banco?

Pouca coisa na vida, porém, é mais irritante do que ver espertinhos pegando carona em fila de clientes especiais: grávidas, deficientes, aposentados... indevidamente. Sobretudo quando se avacalha, como foi o caso do Zezão, numa primeira semana do mês: data em que velhos mais pra lá do que pra cá, assim como eu (e possivelmente você... amanhã) lotam caixas automáticos e guichês em busca da sagrada aposentadoria. Se prestar atenção, de alguns ali firmes e fortes é capaz de se ter ouvido os nomes em convites para seus enterros, ou quando nada missa de sétimo dia, pelas ondas da Rádio Difusora – a mais querida!

Sexta-feira, uns minutinhos faltando para o fechamento do expediente bancário, o Zezão subiu bufando fumo e suando cachaça pela escadaria que dá acesso aos caixas do Banco do Brasil, querendo descontar um cheque. Grana contada para quitar uma duplicata na horinha de ir por pau, digo, a protesto, na Caixa Econômica, do outro lado da Praça da Matriz. Banco não recebe dívida vencida com cheque de concorrente! Então, pelo tamanho da fila, o Zé voltou à rua apelando para o jeitinho brasileiro. Sentada à sombra da marquise da agência, certa mulher pedia esmola com duas crianças ao redor. Foi a salvação. Na maior caradura o devedor retardatário propôs à dona que lhe alugasse um menino – por dois reais –, só enquanto descontava o cheque. – Cinco real, adiantado! Exigiu ela. – Pô, explora não! Refugou o rapaz. Mas calculando as despesas extras, caso o título fosse protestado, pagou os ‘cincão’ já sonhando com a plaqueta: “idosos, grávidas, portadores de deficiência e pessoas com crianças de colo têm preferência no atendimento”.

À entrada da agência, havendo um vendedor de picolés estacionado, o ‘filho’ deu birra pedindo um de abacaxi. Não restou saída ao ‘paizão', que não comprar. Já na fila dos ‘especiais’ o Zezão ouviu um vizinho zoar ele, do meio do saguão: – Uai, Zé, onde ocê arranjou essa cria? Sem apelar e dando uma de moço moderno, o cara-de-pau fez graça dizendo que o bendito era fruto de uma escapulida de carnaval.

O diabinho do menino, mais vivo do que eu e você – intrépido leitor – juntos, no ato começou a chamar o Zezão de ‘papaizinho’, dando-lhe beijos nas bochechas, melecando a cara dele toda de picolé e já pedindo um saco de pipocas. Aí, o pai fajuto perdeu toda esportiva: – Que mané pipoca, que nada! Você me lambuzou com esta merda de picolé. Se não ficar quietinho, encravado, te enfio na grade do ventilador, até virar um monte de rodelas de salame!

Aterrorizado o garoto principiou o maior berreiro, querendo fugir... Até que um funcionário se dispôs a atender o Zezão, passando ele na frente de outros clientes resmungões. O que, enfim, lhe deu dois minutinhos para chegar à Caixa. Antes, porém, a mulher lhe ofereceu o outro menino, para também lá pegar fila especial. Escaldado e se estapeando por conta de um enxame de abelhas que rodeava sua cabeça, o Zé mandou ela... Ora, não vou dizer pra onde; não ficaria bem...

PARA: Maria Mineira, contadora de "causos" do sertão das Gerais!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 29/05/2011
Reeditado em 09/06/2011
Código do texto: T3001238