BRIGAS DE GALOS & OUTRAS TAIS

“Sou a favor da paz e pago-a com o fervor de guerra” (apud Guimarães Rosa)

Não vi toda, apenas o final de uma boa reportagem, no “Domingo espetacular”, da Record. A matéria – muito palatável – versava sobre as brigas de galos. Somente aquela meia audiência de cenas deprimentes foi o bastante para me pôr indignado com tamanha crueldade, já que sou, ou pelo menos me considero, hoje, de fato, um modesto pacifista.

Torço, muito sinceramente, pela paz mundial entre os homens. Mas por que disse ‘hoje’? É que, em tempos que já lá se foram, fingia para mim mesmo que era louco para ir às guerras. Assim, lá, mesmo servindo de bucha de canhão, faria o meu rapapé para a conquista da paz. O que se me passava na cabeça era que, desde que fosse combater contra o imperialismo, então estaria lutando em pró da paz.

Quando Jânio Quadros, em seu meteórico tempo de presidente da República proibiu, por decreto, as brigas de galos houve um alarido nacional. “Um louco!... Tantas coisas importantes para fazer e aquele maluco vem proibir as brigas de galos!” O ato, aparentemente insano, incluía também as brigas de canários. Certa ou errada, a medida presidencial? Àquela época, fiquei em cima do muro; era ainda muito verde e admirava “o Homem da Vassoura”, coisa e tal.

Hoje em dia, sem pestanejar, meu parecer é o de que o presidente estava era coberto e/ou acobertado de razões. Botar um galo debaixo do braço e ir pô-lo para morrer ou matar outro carijó é, no mínimo, ao meu minúsculo entendimento, uma barbaridade. E não só: uma tremenda idiotia. Passem o galo na frigideira, então, mas não o tornem assassino de outro penoso; ou, por outra, um presunto, meio ao histérico alarido de uma multidão potencialmente candidata a novas modalidades de violência.

O espetáculo visto na tevê foi digno de um filme que tratasse das lutas pré-medievais, lá nas arenas da velha Roma, onde os gladiadores se batiam até jorrar o sangue. Pois, com o sadismo dos juízes, dos apostadores e do público eufórico, o sangue de um rosário de pares de galos jorrou na telinha da tevê. O repórter ficava de queixo caído e em pânico. Uma quadra lotada de marmanjos a ver os pobres galos se matarem. E gritos, histeria solta, a comer de esmola.

Esse tipo de incultura sanguinária não vai ao encontro de uma cultura da paz. Portanto, torço, e me esgoelo por isto. Até para os bichos, implantemos uma sincera cultura da paz.

Não que nos venha outorgada por decretos draconianos, à base daqueles fatídicos “atos institucionais” da vida; mas pela conquista de uma maciça conscientização popular e, pois, que se fechem as rinhas de galos e canários. Esse tipo de violência aos animais não combina com o espírito de humanidade das atuais civilizações. As tais farras do boi, também, merecem ser alijadas do cenário nacional.

Mata-se um galo, na rinha, hoje; amanhã, igualmente, são eliminados homens e mulheres e crianças, bem ali, na esquina, na minha e na rua de vocês que me estão lendo estas mal traçadas. Lembram do índio, lá em Brasília, no qual filhinhos de papai atearam fogo? Sem choro baixo, já são mortas mesmo as pessoas na maior gratuidade, sob o olhar indiferente de uma multidão que até incentiva mais e mais violência. Banalidade dos crimes.

Um dia, desgostoso de viver, em Fortaleza, um pobre humano subiu na torre de uma emissora de televisão. Não sei lá por qual razão, o cidadão ameaçava pular. E a massa desalmada, que se foi juntando ao sopé da torre, gritava freneticamente: “Pula! Pula! Pula!” Sabem qual o resultado? O homem pulou. Espatifou-se no chão, antes da chegada dos bombeiros. Onde a solidariedade?

Digam que sou quadrado, babaca, um baita bobalhão. Ainda assim, sem arredar pé, sou contra as brigas de galos e de canários. Também abomino as vaquejadas, aqui, no nordeste, e a idiotice das farras do boi, no sul e no sudeste do País.

As crianças e marmanjões que ficam horas e horas diante de videojogos violentos, atirando e matando seus adversários, toda essa gente aí que me perdoe. Esse lixão de jogos violentos, vindo lá dos ianques, useiros e vezeiros em invadir territórios alheios e em assassinar a sangue frio, é um material explosivo e nocivo, formador dos mercenários que foram e ainda estão por ir invadir e bombardear nações alheias.

Que se fechem todas as pocilgas onde se tiranizam e trucidam animais. Abaixo as rinhas, brigas de galos e canários! Touradas (onde quer que existam) e vaquejadas, farras do boi, que nem são esportes. Os nobres peões de boiadeiros que me desculpem, mas tudo isso de sacrificar bichos que vá meter-se na lata do lixo. Trucidar os brutos é coisa que fere frontalmente o esforço humanitário de uma cultura da paz.

Fort., 30/05/2011.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 30/05/2011
Reeditado em 30/05/2011
Código do texto: T3002490
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