Na Clínica

Na Clínica faço exercícios todos os dias da semana: três dias vou às nove horas, dois dias às nove e meia. A Clínica é minha vizinha de fundo e eu ia gostar muito se pudesse abrir um portãozinho, de quintal para quintal. Como isso não é possível, dou a volta e chego lá em cinco minutos.

1-  
Ortopedia – As segundas e as sextas feiras faço ortopedia na esperança de consertar meu ombro esquerdo que andava bem renitente. Eu já nem conseguia mais coçar as costas e lavá-las, só com escova de cabo longo. O conserto está demorando, mas o braço está bem mais esperto. Já consegue outra vez acabar com a coceira das costas. Ali só trabalho com os braços – alongamento, peso, bastão, um tubo elástico que tenho que puxar pra lá e pra cá. Não adianta eu reclamar que só um braço está doente, tenho que fazer os dois. Faço ainda outros três exercícios específicos, como passar um troço gelado no ombro e ficar com um aparelhinho circulando por ali (acho que é laser), imobilização e tomo choquinhos. A primeira vez que tomei choquinhos esqueceram-se de mim e como eu estava lendo, também me esqueci. Agora não faço isolada e embora continue lendo ninguém se esquece mais de mim.
 
 
 
2-   Movimentos – Na quarta feira faço RPG. É um exercício que, se não me matar de frio, vai me ajudar a recuperar a antiga postura. Ali quase o tempo todo fico deitada em uma maca, que tem dois braços, para que eu abra bem os meus. Fico parecendo a crucificada a maior parte do tempo. Eu ainda não entendi direito o que a fisioterapeuta pretende fazer comigo. Tem hora que eu penso que ela está me dando lições do Kama Sutra, tal a complexidade das posições que me ensina a ficar. Tem hora que eu penso que ela está me treinando para alguma sessão de tortura, caso um novo AI seja decretado. Ai vou tirar de letra porque aprendi que resistir é pior. Outras horas penso que meu treinamento é para faquir, quando ela me manda inspirar enchendo o abdome e depois expirar levando o umbigo até as costas. Fico me imaginando assim, como uma bulímica, as costelas aparecendo, o que ainda vai ser bem difícil, só na imaginação. 
 
3-   Condicionamento – Nos outros dois dias eu tento recuperar a antiga forma para me sentir de novo como nos velhos tempos. Uso peso nos pés o que me faz sentir como uma prisioneira de filme norteamericano, arrastando os meus pés pelo chão. Faço levantamento de pesinhos, bem levinhos, dobrando e esticando os braços e as pernas. O tubo elástico tem ali também, mas é bem melhor do que o da ortopedia por causa do espaço maior. Faço alongamento, exercícios para a musculatura das coxas, esteira e bicicleta. O primeiro é a esteira e embora os exercícios sejam praticamente ao ar livre, na metade do tempo eu já estou me desagasalhando. O último é a bicicleta, o melhor deles – é o tempo que fico lendo e por dentro de todas as fofocas sobre os famosos. Dia desses descobri que já estou andando na rua seguindo o ritmo da esteira. Empolguei-me tanto que andei, andei e andei e quando dei por mim tinha gasto toda a minha energia. Quase não consegui chegar em casa e quando entrei fui espetar uma agulha no meu dedo para ver quão doce estava meu sangue. Como estava à beira de uma hipoglicemia comi um pedaço de uma rapadura deliciosa. E não posso esquecer-me que já estou conseguindo ajoelhar-me sem sacrifícios embora nem saiba a utilidade prática disso.