Incrível diagnóstico

Ultimamente, para ocupar o tempo, frequento os shoppings da cidade. O Iguatemi, perto de minha casa, tem sido a escolha favorita, para fazer jus ao carinhoso tratamento dispensado a aposentados como eu, pelo ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Certa vez, Sua Excelência nos chamou de “vagabundos”. Achei a expressão própria a mim e a outros que levam a vida no ócio, vagueando por ai, insensíveis às preocupações do dia a dia, depois de contribuírem com o desenvolvimento nacional.

FHC, intelectual de vasta cultura, sempre respeitou as aposentadorias obtidas em condições de serem usufruídas prazerosamente. O nobre dignitário tucano jamais desejou imprimir ao termo o significado que seus inimigos políticos, petistas de rancorosas atitudes, lhe atribuíram. Para a malta vermelha, o ex-mandatário brasileiro nos tratou pejorativamente. Segundo eles, Sua Excelência nos chamou de malandros. Para o inesquecível presidente, aproveitamos a vadiagem como prêmio aos anos de trabalho honesto, exaustivo e estressante.

Mas, como ia dizendo, tenho frequentado o Shopping Iguatemi com certa regularidade. A praça de alimentação é o meu ponto favorito. Ali, usufruo do conforto e me atiro gulosamente ao prazer da variada gastronomia do lugar. Os amigos costumam encontrar-se comigo para longos bate-papos. Conversamos sobre tudo: política, esporte, e, às vezes, nos ocupamos da vida alheia, que sempre tem algo a ser explorado.

Em certo dia, já à boquinha da noite, encontrei-me novamente com Getúlio, velho amigo de repertório inesgotável. Esse goiano, que até ontem o tinha por mineiro, não deixa o interlocutor bocejar enquanto discorre sobre palpitantes assuntos. Na oportunidade, disse-me:

– Lamércio, meu jovem, escuta mais essa: Agripino, advogado como eu, tem um parente que é Analista de Sistema. Não sei se sabes o que significa essa atividade dos tempos modernos. É coisa da área de informática, cuja linguagem cibernética eles interpretam muito bem...

– Sei o que é, cara! – cortei-lhe a fala para que não me tivesse por mais ignorante do que sou. – Em Campina Grande, na Paraíba, cidade de minha adoção natal, existe o mais alto padrão de ensino universitário nessa área do conhecimento técnico-científico...

Fui interrompido por Getúlio, que se encontrava ansioso para contar-me detalhes da vida do parente de Agripino.

– Pois bem, meu jovem – ele sempre repete essa expressão. – O rapaz de quem me falou Agripino tem por nome Josias. É bom profissional. Ultimamente, sentindo-se adoentado, foi ao médico. Os colegas de Hipócrates, hoje em dia, trabalham com os mais sofisticados instrumentos. A aparelhagem é toda informatizada. Eles quase nada diagnosticam. Transferiram a incumbência para as revolucionárias máquinas que operam com maestria. Ao final, analisam relatórios e dizem o que tem o paciente.

– É o milagre da tecnologia científica. Ainda bem que somos submetidos à eficiência dessa aparelhagem milagrosa. No passado, perdi meu pai, aos vinte e nove anos, por não ter tido diagnosticado a tempo, o mal que lhe consumiu a existência tão precocemente – disse-lhe eu, para, em seguida, secar algumas lágrimas que me afloraram à face.

Getúlio bebeu mais um gole do chope gelado que lhe serviram. Era o quinto daquele início de noite. O homem parece uma esponja. "Enxuga" a bebida com resoluto prazer. Eu, que sou abstêmio, beberiquei a Coca-Cola depositada em copo de plástico. A bebida já se revelava morna e quase intragável. Não costumo beber refrigerante sem senti-lo refrescar-me a garganta, principalmente em oportunidades como aquela, de muita palestra. Continuando, disse:

– O parente de Agripino estava com artrite. A dor no braço direito o incomodava muito. O médico, então, informou-lhe:

– Tenho, no consultório, um novo e eficiente computador. O programa instalado diagnostica, sem margem de erros, qualquer doença. Portanto, urine nesse depósito aqui ao lado da máquina.

Getúlio não interrompia seu relato, nem mesmo para tomar mais um gole de chope.

– Como profissional da área de informática, o jovem não acreditou na conversa do doutor. Mas, curioso, urinou no ponto indicado. Em poucos segundos veio a resposta:

"Josias Marques, 30 anos, cútis branca, analista de sistema, é portador de artrite no braço direito".

– O rapaz ficou pasmo. Não quis acreditar. Pediu ao médico para repetir o exame. Novamente, a mensagem confirmou o diagnóstico anterior. Saiu dali descrente com o que revelara o equipamento. No dia seguinte, em casa, colheu amostra da própria urina, juntou-a com outra porção cedida pela esposa e pela filha, adicionou óleo retirado do cárter do veículo estacionado na garagem, juntou tudo ao próprio esperma coletado minutos antes, e levou ao doutor. O discípulo de Esculápio, um pouco arrogante, perguntou-lhe se não cria no diagnóstico anterior, ao que ele respondeu:

– Necessito de confirmar o resultado. Estou curioso e cético quanto ao que me foi apresentado. Por favor, queira processar esse material.

– O médico, confiante, depositou na máquina o conteúdo do que lhe trouxera Josias. Os detalhes do exame foram mais apurados:

"Josias Marques, 30 anos, cútis branca, analista de sistema, corno, filha grávida de três meses. Seu carro necessita de revisar o motor. Na próxima masturbação usar a mão esquerda, pois o braço direito está com artrite".

Getúlio finalizou sua longa história:

– O computador processava o que lhe era fornecido com muita eficiência. O programa instalado no admirável equipamento trazia a lume as informações mais espantosas, advindas de suas geniais análises. Josias conformou-se com o relatório final da operação. Aliás, há algum tempo, desconfiava da esposa. A filha lhe parecera enjoada, ultimamente. E o carro, com muitos quilômetros rodados, fumaçava a cada pisada no acelerador – concluiu meu amigo, reforçando-me o bom conceito que dispenso àquelas extraordinárias máquinas dos tempos modernos.