OS BENVINDOS E OS MALVINDOS
Makinleymenino 2001
Acordei entusiasmado, ouvindo os pardais me estimulando a abrir a janela. Abrindo-a vi o magnífico sol dando-me um bom dia e uma suave brisa soprando-me o rosto. Ao contrário de ver as flores e o cheiro dos jasmins dos campos, o mugir das vacas sendo ordenhadas, o bramir das maritacas alegres voando em bandos sobre os ipês amarelos e os ruídos dos pica-paus nos trocos das árvores, via os carros circulando nas ruas carregando o ar do cheiro de monóxido de carbono seguidos dos ônibus, juntos apinhando os sons de suas máquinas que ecoavam nas paredes dos colossais edifícios associado-se aos ruídos das pessoas conversando alto como se estivessem no estádio de futebol torcendo pelo seu time.
Naquela manhã, meu estado de espírito estava centrado em regularizar o meu veículo recém adquirido. Sabia da penúria de ficar na fila de carros ao sol, era árduo. Descobrir onde começava a fila não exigia esforço, difícil era estar inerte naquela devassidão e ver as obscuridades daquele sistema que favorece os bem vindos desta vida. Depois de duas horas na fila somente para vistoria do veículo, deveria pegar uma senha para confeccionar o documento de circulação, outra fila de duas horas, enfrentando mais 100 pessoas a minha frente.
Antes vi na fila, o controlador do acesso aos carros atender seu celular e logo depois indagar a outro controlador:
- O bem vindo, está chegando!
- Arrume um lugar ai para ele.
Sem tardança, chega o senhor bem vindo que se identifica. O controlador amável e cheio de seda o recebe parecendo amigos de infância:
- Senhor bem vindo, saudações! Já preparei tudo aqui pode ir entrando com seu veículo por ali, enquanto é feita a vistoria do carro poderá ir regularizando o seu documento lá na seção de despacho que estão aguardando-lhe.
Então ao espanto, indignado conjecturava porque teria que acordar cedo me molestar com os ruídos dos carros, encarar o trânsito, respirar monóxido de carbono, acatar aquela fila indiana de veículos e abster-me do almoço em família para fazer parte de um sistema imoral onde ainda prevalece a influência dos “bem vindos” que alcançam privilégios estragando a ordem das políticas sociais, dissimulando o desaparecimento da autoridade pública. Hoje as classes mais desfavorecidas acreditam que a lei é para juízes, advogados e autoridades, e que a cadeia é para negros e ladrões de galinha, os mal vindos desta vida. Imaginei-me nesse meio dos mal vindos onde a regra vale somente para poucos, nós mesmos.
Ainda na fila, via o tal bem vindo saindo sorridente e feliz da vida no carro aferido pelo sistema que pagamos à custa dos nossos suados impostos. O que nos sobra? Somente o acalento dos nossos versos e um pouco do verde dos campos, seus floridos jasmins, o mugir dos bois e as maritacas alvoroçadas esvoaçando sobre os ipês amarelos. Nada mal para um mal vindo!