NOVOS RUMOS (EC)

- Ai!

- Não faça barulho!

- O guarda-roupas amassou meu dedão.

- Agüenta quieto! Quer que a vizinhança acorde?

- A gaveta vai cair de novo!

- Pare de reclamar! Se você não tivesse perdido o emprego novamente, não estaríamos nesta situação.

- Só de pensar em ir morar de novo no “puxadinho” da sua mãe me dá calafrios.

- Imagine ela! Aturar você e os cachorros. Não dá para nos livrarmos deles?

- Ah! Isso não, mesmo!

- Podíamos ficar só com um. Para que quatro cachorros?

- Um para cada filho. Assim não tem ciúme.

- Não temos nem para nos sustentarmos e ainda alimentar quatro cães.

- Onde comem três, comem quatro. Isso vale para os cachorros também.

- Não risque a mesa! Ainda falta pagar cinco prestações.

- Ora! Pare de pagar! Não vão achar a gente para tomar de volta.

- Nada disso! Já estamos com o nome sujo e não vamos sujar o nome do meu irmão.

- Cuidado com a gaiola. Tem valor sentimental.

- Valor sentimental!? Ora essa! Você não tem sentimento, nem valor.

- Não fale assim na frente das crianças.

- As crianças já foram. Esqueceu? Pegue essa trouxa de roupas e coloque embaixo da TV para proteger.

- Já acabamos de pagar a TV?

- Mamãe pagou! E tem mais... A TV dela está quebrada e a nossa vai ficar na casa da frente até consertar.

- Mas, a nossa é tela plana...

- Nem mas, nem meio mas...

- Quantas prestações ela pagou?

- Nove... Metade.

- Então! Metade na casa dela, metade no puxadinho.

- E quem vai ficar carregando a TV?

- Assistir ao futebol na casa dela, não dá!

- Assistir ao futebol? Escuta no rádio. Precisamos economizar a luz, senão cortam.

- Faço um “gato”!

- Chega de conversa mole. Vamos, que está amanhecendo!

- Não esquecemos nada?

- Pegou o botijão de gás e os varais?

- Peguei... Só falta subirem os cães.

A pequena caminhonete, sem escapamento, arqueada para fazer uma viagem só, saiu sacolejando. No banco com o motorista, seguiam apertados, inclusive na angústia.

Fazia pouco que clareara quando o Oficial de Justiça chegou. Quase não teve trabalho. A porta do “quarto e cozinha” estava encostada. Perguntou aos vizinhos, fez o de praxe e deu por cumprida a ordem de despejo.

Em algum lugar, um adesivo no vidro do carreto: “A esperança é a última que morre!”

Silenciosos, deram-se um sorriso úmido

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Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 06/06/2011
Código do texto: T3017208
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