Terra Seca

Por onde ela andava a barriga ia na frente,”Deve de ser homem”, todos diziam, ela não se importava com o que fosse, contanto que nascesse em São Paulo, não importava mais nada. E depois de tanto esperar, depois de uns sete meses que ele havia se instalado nela, ela conseguira, o ônibus a levaria para São Paulo, e ela teria um filho paulista, que iria trabalhar, que teria emprego. Depois da ansiedade, essa ansiedade terrível em que minutos viram horas, chegara o dia, o ônibus partiria e ela estaria dentro, “É imprudente, a criança ta apontando, a barriga já ta grande por demais, e ir pra outra cidade com criança e sem pai não é certo” alguns disseram antes dela ir para o antigo posto de gasolina onde ia pegar o ônibus, ela não os ouviu, seu filho iria ser paulista, não iria nascer na miséria, não seria como todos eles. O ônibus chegou, não que fosse um ônibus, como moço da venda dissera que seria, era um caminhão, abarrotado de pessoas, além da carga, na carroceria, ela teve dificuldades para subir, mas não perderia aquilo por nada, seu sonho lhe custara uma pequena fortuna, paga ao dono da venda, e outra ao caminhoneiro. Além dela havia mais uma mulher grávida, uma mulher grande, parruda, de olhos pequenos e mais oito filhos, dois com ela, os outros havia deixado na casa da mãe, elas conversaram muito, sobre como cuidar de crianças, sobre as crianças que carregavam no ventre, os pequenos paulistas, eles seriam felizes, eles nasceriam em São Paulo.

O caminhão parou, já longe da vila, no meio do nada, o caminhoneiro desceu da cabine gritando que a carroceria estava muito cheia, que alguém teria que descer. Ele subiu na carroceria, “Ta sozinha menina?”, ela acenou com a cabeça que sim, achou que ele a pouparia porque era nova e sozinha, mas não, ele a puxou para fora da carroceria, e a tocou como um cão sarnento para o nada, um nada terrível. Ela tentou correr atrás do caminhão que já ia longe pela estrada de terra, mas não adiantou, ela ficou apenas com seu paulistinha, perdida no nada.

Caminhou, até o cansaço exceder a força de vontade, deitou onde parou, era desconfortável, mas o sono era maior, ela precisava dormir um pouco, nem que fosse apenas um pouco. Não teve sonhos, nem esperava ter, sonho é coisa que serve para lembrar, e lembrança de miséria ela preferia nem ter. Quando o sol levantou sobre a terra, jogando um manto de luz sobre cada criatura que habitava o lugar, ela acordou, não estava feliz, nem tinha motivos para estar, mas também não estava triste, estava só assim, meio que sem sentimentos, meio que sem idéias, meio que sem nada. Ela era isso mesmo, um vazio no meio do vazio.

Andou, estava com fome, mas não tinha direito de sentir fome, ela era dali, uma mulher do sertão, uma mulher que podia superar o nada, apesar do estomago comer a si mesmo, se repuxando em pontadas terríveis, ela não chorava, nem podia, não tinha mais lágrimas, seus olhos se tornaram como o céu do sertão. Donde ela viera, nem ela queria lembrar, para onde iria, nem ela se importava mais.

E depois de mais um dia andado ela deitou, quando o sol já ia dormir e dava lugar a luz branca e mortiça da lua, as dores que a principio ela achou que eram de fome pioraram, não a permitiam mais dormir, nem ao menos uma trégua davam. Ela, deitada com os olhos no céu, as pernas arreganhadas, ali, fez força, não se ouviu choro, afinal, era uma criança do sertão. Ela o pegou, o menino, ainda de olhos fechados, o deitou ao lado dela, e com o cobertor gelado de estrelas sobre os dois descansaram, como o sol que se apagava, para um dia que não iria amanhecer mais.

Amanda França
Enviado por Amanda França em 09/06/2011
Reeditado em 01/07/2011
Código do texto: T3024352
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.