Um belo dia para morrer

Sentia o coração apertado, sufocado, o ar que respirava era quente. Estava adiando aquele momento. Mas o hoje é implacável, chega sempre. Longos minutos de poucos quilômetros. E continuava a repetir em pensamento: “era a minha única opção”, tanto, “não vai doer nada”. “Dez minutos, senhora”, foi o que me disseram ao telefone. Seria uma coisa rápida, mas quanto mais me aproximava, maior era o meu vazio. Lembrei a primeira vez que a vi, pequena, discreta, tinha lá a sua idade porém, não ofuscava seu charme e simpatia. Me conquistou, me apeguei. Quase errei a estrada, perdida em pensamentos entardecidos. O lugar era feio, como quase toda periferia. Nunca tinha visto Trento sob este véu de caos e abandono. Aquilo me trazia ainda mais tristeza. Voltaram as lembranças, de dias felizes, de uma vida que não volta mais, de idas ao lago, de brincadeiras na neve, de mudanças. Muitas mudanças. Quem a acompanhava em seus últimos momentos de existência não era a mesma que a acolheu, me sentia cansada. “- Onde devo deixá-la?”, foi a única frase que saiu quando vi o senhor ao portão de entrada. “- A senhora tem que fazer a papelada primeiro”, respondeu. Um nó no estomago. A resposta daquele homem, dura, seca, foi como uma corda enforcando meu esofago. Suava. Parei alguns minutos e fiquei olhando ela ali. Meus olhos se encheram de lágrimas. Respirei fundo. Me dirigi ao escritório para a tal “papelada”. A moça que estava na recepção tinha um viso simpático, doce. Olhei nos seus olhos e ela retribuiu meu olhar lúcido com afeto, como se entendesse o que eu estava passando. Me senti compreendida. “- A senhora tem todos os documentos?”, perguntou com uma voz suave, talvez para tentar aliviar meu sofrimento. Entreguei toda a “papelada”, ela colocou meus dados no computador, imprimiu e me deu para assinar as 4 vias do documento. “- São 70 euros”, com a voz ainda mais suave. Respirei fundo, li com calma seu nome escrito naqueles papéis, primeiro o meu, e logo embaixo o seu. Assinei com a sensação de assassinar. “- Pronto! Agora nos ocupamos pessoalmente de tudo. Pode deixar as chaves comigo.” Desenrolei lentamente o anel do chaveiro de ursinho e entreguei as chaves. Sai daquele escritório arrasada. Com uma vontade de gritar, sair correndo, chorar. E a coisa absurda é que, ao mesmo tempo, me sentia estúpida por estar assim tão mal. Voltei até ela, passei a mão no espelho lateral, agradeci em silêncio e fui pegar o ônibus.

01.09.06

Maíra Ribeiro
Enviado por Maíra Ribeiro em 27/11/2006
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