A MAIS BELA MÚSICA

Alta noite. Madrugada insone. A calçada da rua lança um ruído de passos intermitentes. Sou agora apenas um pai sobressaltado que rola no leito a questionar por onde pode estar andando essa criança. Espio ainda uma vez mais pela janela do apartamento no primeiro andar. A profusão dos faróis dos automóveis da avenida, atravessando a noite alucinada, me entorpece e acentua o meu desespero. E meu filho que não chega.

Fujo um pouco. Ligo a TV e vejo as soluções simples para os problemas da humanidade, que os líderes religiosos apresentam através da mídia na madrugada. Sob suas óticas tudo é tão banal. Nada me convence.

A única verdade é que as sombras frias da noite envolvem hoje todo o universo. Meu filho está em algum lugar neste momento, exposto e vulnerável a essas ameaças que o nosso convívio urbano apresenta.

Pode estar em perigo sem que eu possa ajudá-lo. Pode estar se embriagando ou consumindo drogas. Pode estar sendo vítima dessa violência tão cotidiana. Que medo de que ele não volte, meu Deus!

Desligo a TV e tento me desligar. Relaxo um pouco, deitando-me no sofá, e, mesmo perturbado e cansado, começo a cochilar.

Deixo me enlevar pela imagem do meu garotinho inocente brincando comigo, jogando bola, soltando pipa, pescando... E nos planos, que nunca abandonei, de vê-lo formado em uma profissão importante, tal qual eu não me formei.

Vez ou outra uma freada brusca ou a buzina de algum carro na rua me desperta daquilo que já está virando um pesadelo.

Enfim as vozes da noite lá fora vão se emudecendo. Os passos intermitentes de há pouco dão lugar agora à maciez das brisas silenciosas.

E neste silêncio que também me tira a calma, ouço alguns passos que se interrompem na calçada, seguidos do barulho de uma maçaneta girando. E uma canção sublime, a melodia do gemido das dobradiças enferrujadas, que vem agora do portão da rua, invade todos os aposentos da minha alma:

-Oi pai.

-Oi meu filho, onde você estava?

-Por aí, com alguns amigos.

-Ah! Que bom!

Tudo o que antes me assombrava, agora já passou.

Ligo a TV sem nem me incomodar mais com o jeito banal com que os pastores encaram os problemas dos ouvintes aflitos.

Meu coração agora está desacelerado.Minha mente, antes atormentada, comtempla ainda o conjunto de sons de há pouco. O barulho dos passos, da maçaneta girando, das dobradiças enferrujadas compõem a mais bela música. Uma linda sinfonia.

Meu Filho está bem. Regressou da noite atemorizante.