LÍNGUA LUSITANA POPULAR

Quem, dentre todos nós, acha que fala bem, de verdade, o português? Por mim, eu, aqui, de cara limpa e de sã consciência, dou a mão à palmatória e declaro, com todas as letras de cartório, que não sei nada de nada do idioma português.

Estou a falar, sem meios termos, é da língua lusitana popular. Neste ponto, sem dúvida, vou do lusonês à incompreensão. Infelizmente, no parangolé, sou um zero à esquerda. Não me refiro àquele idioma universal, em que você se delicia lendo a obra lírica e a épica de Camões, ou ainda devorando os romances de Camilo e Eça de Queirós. Esta língua culta todo mundo – até o Zé das Quantas – imagina que tem domínio sobre ela.

Muitos são os que se jactam, ou se a c h a m, e pensam que falam e escrevem, à moda dos clássicos citados. Todavia, à farta, como os macaqueiam com toda fé de verdade! Não os traduzo à oralidade, nem tampouco os escrevo. Apenas os macaqueio, malmente. Arranho-os como milhões de falantes d’aquém e d’além mar.

Senão vejamos treze palavrinhas que catei, à toa, ao dar uma olhada por cima em um dicionário do português popular*. Gosto desse babado de “populês”, tanto que já levei anos e anos botando expressões idiomáticas em um tomo que se intitula “Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa”, saído pela Martins Fontes, ano passado.

Você pergunta ao seu velho colega de faculdade – por sinal português, lá dos fundos de quintal do Douro – pela esposa dele, também colega da mesma turma de Geografia. Aí, o gajo, na caradura, sapeca assim: “– Ai, Maria andou tão a b a n a d a! (= doente)

Ainda em Portugal, num papo de fila do cinema, uma bela rapariga diz para amiga de infância: “– Preciso a b a q u e t a r (= emagrecer), ao menos uns seis quilos”.

“– O senhor pode me dizer em que rua fica a c a n g r a (= igreja) deste bairro?”

“– Que coisa! Estou aqui com um g a v a r r o (= unheiro) que me dói à beça!”

“– G a v i n a (= mulher), para meu gosto, tem que ser mais inteligente que bonita.”

“– Vou sair, mas onde tu puseste a g a z u l a?” (= chave)

“– Criança tem é que g e r e c e r e permanecer em meio saudável.” (= nascer)

“– A vizinha da casa 10 é uma e s c a f o n a.” (= mulher mal vestida)

“– Repreenda o guri, mas no Minho não se pode e s c a n h o t a r (= bater) no gajo.”

“– Joaquim e Manuel, hoje, andam na maior e s c a r a ç ã o!” (= bebedeira)

“– Aqui, no Porto, a m a l ú r d i a (= mãe) de minha esposa reside faz muito anos.”

“– A nossa refeição diária tem que conter m a n c h e t a.” (= feijão)

E para completar a trezena de vocábulos estapafúrdios do português popular, o campônio luso chega-se para o juiz da comarca e se exprime em bom “populês”, assim:

“– Doutor, não gosto que me venham a t a s s a l h a r (= caluniar, ferir a dignidade de alguém) e vim, aqui, prestar uma queixa perante a Lei.”

Viram, aí, como a coisa de linguagem também se complica no linguajar do povo? Pelas barbas de Maomé! Se as frases acima fossem pronunciadas às barbas de um camarada, aqui, no Brasil, o sujeito – em riba das aludidas sentenças – iria sair era zuruó, azoratado e zureta da silva.

Por isso, como não tenho sonhos de internacionalismo, em matérias idiomáticas, então vou ficando mesmo, à sombra dos meus parcos fios de pelos, com o nosso marruá e gostoso nordestinês brasileiro.

Fort., 17/06/2011.

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(*) SIMÕES, Guilherme Augusto da Costa. “Dicionário de expressões populares portuguesas”. Lisboa: Dom Quixote, 1994.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 17/06/2011
Reeditado em 18/06/2011
Código do texto: T3040445
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