IMORTALIDADE

Você já pensou na imortalidade? A do corpo está por um fio de ser conseguida através de pesquisas com as células-tronco. Só que na sociedade de consumo em que vivemos eu vejo opostos se materializando, quero dizer, quanto mais caminhamos na direção da imortalidade carnal, mais nos distanciamos da outra imortalidade etérea, sublimada pela criação. É que a ordem geral é consumir sem guardar. Consumir sem apego histórico, sem apego de estima. A ordem é quanto mais você tiver possibilidade de substituir bens materiais, mais prestígio você tem. A história está perdendo fôlego diante da velocidade do mundo e desconexão das coisas. Uma sensação de morte da dialética, de tanto que só há negação, negação, negação das inter-relações das coisas entre si. Só o presente tem servido de referencial

Outro dia eu assisti a um documentário sobre investigações acerca de roubos de obras de arte famosas tanto em museus como em residências de colecionadores e em igrejas. A tônica do programa era exatamente a pouca importância que a polícia tem dedicado a procurar por raridades em função da excessiva ocupação na busca por outras coisas mais fáceis de ser substituídas (a meu ver) mas muito mais valorizadas. Quer um exemplo? Um carro roubado é muito mais procurado do que uma tela de Van Gogh. E olhe que carros, por mais caros e luxuosos, há um seguro que pode garantir outro igualzinho no lugar do que foi levado.

O conhecimento e a contemplação tem servido a propósitos muito pragmáticos. Só adquirem significado intrínseco se se transformarem em algo que possa ser consumido de imediato, já ensejando um novo conhecimento e assim por diante, mas não mais para serem guardados como permanência.

Vou falar para quem escreve: se sua obra está registrada na Biblioteca Nacional, tudo bem, ali reside a garantida a sua imortalidade, caso algum dia alguém se interessar por ela. A obra tornando-se famosa, a imortalidade ganha abrigo em corações e mentes e estantes de bibliotecas, além do google, claro! Mas tem uma coisa que me inquietou: quando assinei um contrato com a editora para publicar um livro, veio uma cláusula em destaque de negrito e sublinhada: a que garantia aos meus herdeiros o direito ad infinitum de receber os direitos autorias. Então imaginei duas coisas. A possibilidade de herdeiros quererem se livrar do gerador da herança rapidinho se ele se eternizar, caso sejam gananciosos por dinheiro. Nesse caso perde-se até mesmo a chance de imortalizar-se pelas graças dos recursos da medicina dos quais falei lá o início. E com o desprezo absoluto dos modernos homens de negócio editorial com o destino da obra no sentido literário, cultural e da contribuição para o conhecimento humano, só mesmo com a graça dos leitores para não ser olvidado depois de seu último ponto final numa folha qualquer.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 18/06/2011
Código do texto: T3042035
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