A profecia do mendigo           

 

                               Nem sempre  o vaticínio de um mendigo se concretiza. Os meus amigos, ao se depararem com esta frase a respeito  do mendigo, na certa, dirão: “de onde o Gilberto tirou essa frase?”

                               Alguns imaginarão tratar-se, talvez, de uma frase de algum francês existencialista. Quem sabe, Sartre? Outros, mais afeiçoados à história antiga, se lembrarão logo dos filósofos gregos. E eu direi, com toda a tranquilidade, essa frase é exclusivamente minha.

                               Vejam  como a vida é fascinante. Um detalhe, uma lembrança antiga e eis que surge a minha frase, com um certo ar de profundidade, de mistério.

                               Mas nem tudo que parece, é!  Contrariando a famosa frase do  grande Luigi  Pirandello.

                               Não  há mistério nenhum. Vou contar ao leitor o que aconteceu. Provavelmente,   eu  deveria  estar com meus 05 para 06 anos. E puxando bem pela memória, o fato se deu nas escadarias de uma das 365 Igrejas de São Salvador. Não me lembro com quem eu estava. Mas a frase do mendigo eu me lembro até hoje, grudou na minha mente. Como estava dizendo, passei na frente de um mendigo, que segurou meu braço e vaticinou: “menino, você vai ser Presidente da República.” E isso no tempo em que ser Presidente era coisa um pouco mais séria!

                               Ora, todos hão de convir, mesmo o leitor mais cético deste mundo. Não é pra ficar impressionado? Aliás, eu aumentaria o tom: impressionadíssimo! Já sei, meus amigos devem estar com um sorriso amarelo e pensando mal de mim. Coitado! Deve estar tendo um “surto”. Mas eu responderei: Como? Então, um mendigo nas escadarias da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim , na Bahia de todos os santos, nessa Bahia até hoje mística,   olha pra mim, um inocentíssimo menino de cinco anos, que na época usava sandálias franciscanas, e exclama, com os olhos para o céu: “você vai ser Presidente da República”. Não era para acreditar? E ainda  havia todo um halo de luz nas suas palavras.  E o menino era eu, tenho certeza, pois ele segurou meu braço. O pior é que não posso invocar um testemunho, pois não lembro quem estava comigo, talvez minha mãe. Poderia estar com meu pai e o Teixerinha, meu padrinho, pois costumávamos dar uma volta no bonde Tororó. Mas sinto que estava era com minha mãe, mesmo. Mas já se passaram mais de sessenta anos, ela não vai se lembrar.

                               Não me perguntem o  porquê  da minha recordação  dessa passagem quase que bíblica.

                               Ah!, já sei, já sei. No meu tempo fazia-se       uma associação do mendigo com profeta. O mendigo de então era uma figura amena, com ares de sabedoria. Sem dúvida, vivi essa época romântica. Sou capaz de apostar que, naquele exato momento,  em alguma casa ali por perto da igreja um disco de vinil poderia estar tocando o mambo Siboney, com Xavier Cugat. Numa  boa  alucinação auditiva   meu ouvidos captam a linda música.

                               Mas como o tempo não para, sacudo a cabeça e retorno para a realidade de hoje. Não, não retorno. Botei pra tocar   siboney, e  estou escrevendo ao som dessa música.

                               Bem, tenho que encerrar a crônica e não vem uma boa inspiração para um fecho, pelo menos simpático. Ah, se meus amigos  pudessem ouvir Xavier Cugat. Seria    o encerramento ideal. Mas como isso aqui não é filme, vamos lá. Felizmente, o nosso mendigo lá de 1946 errou feio.

                               Aqueles que convivem comigo sabem que o meu fracasso como Presidente de qualquer coisa seria inevitável. Simplesmente por uma razão: falta-me maldade política e tenho uma boa fé nas pessoas que chega a ser alarmante. Pra encurtar a conversa: fui Presidente de uma Associação. Meus melhores amigos tinham que me vigiar. Quando menos esperavam, lá  estava eu acreditando nos lobos, nas hienas, nas raposas, que faziam tudo para me derrubar. Passei dois anos ouvindo essa frase: “Presidente, você vai ser apunhalado” Perguntava a razão e meus desesperados amigos gritavam: “você dá as costas para o inimigo!”

                               Continuo o mesmo...