São João das antigas

Nem bem amanhecia e estávamos todos a postos, para mais um São João danado de bom. Logo cedo a criançada se dedicava a buscar, de casa em casa, as palhas de coqueiros, imprescindíveis na decoração do arraiá. Os mais velhos, munidos das ferramentas necessárias, iniciavam o trabalho aguando o terreno para facilitar a escavação dos buracos onde seriam fincadas as colunas de apoio. Para separar os expectadores dos participantes da quadrilha, eram amarradas cordas nessas colunas.

Divididas em grupos, e monitoradas por um adulto, as crianças prendiam as bandeirinhas num cordão, utilizando uma gosma transparente feita com água e goma, o velho grude. As bandeirinhas eram feitas de jornais e revistas velhas, não havia dinheiro para investimento em papel de seda. Depois de prontos os cordões, alguém subia num banco e os prendiam nas colunas.

Meu pai cuidava da instalação elétrica, puxando fios e pendurando lâmpadas. E, obedecendo à tradição, empenhava-se na preparação da fogueira. Carregava do quintal alguns troncos de árvores e amontoava tudo com cuidado. Depois, de uma madeira mais seca, fazia os cavacos para, ao anoitecer, não ter dificuldade em acender o fogo.

Com roupas improvisadas dançávamos a quadrilha, ensaiada algumas vezes, na rua mesmo. Os meninos pintavam os dentes de preto, para que parecessem cariados, faziam bigodes, e nas calças traziam remendos; as meninas usavam vestidos de chita, tranças nos cabelos, e algumas pintinhas pretas nas maçãs do rosto. E, como não poderia deixar de ser, o casamento matuto era muito engraçado e contava com os tradicionais personagens na encenação. A plateia, muito importante, era formada por nossos pais, irmãos e vizinhos.

O repertório, lindo! Luiz Gonzaga era o mais cantado: “olha pro céu, meu amor! Vê como ele tá lindo!”. Era o tempo do anavantu, anarriê, túnel do amor, passeio na roça... eita, que saudade!

Após a dança, era hora das simpatias. Todo mundo sonhava em se casar, e havia uma ansiedade em saber quem seria o felizardo. Era bacia com água na frente da fogueira, copo com aliança presa em fios de cabelo, corte com faca nas bananeiras, papel borrado dentro de garrafa com água... Meu Deus, como a gente era feliz!

Publicado no Jornal O Povo - edição de 18/06/11

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 20/06/2011
Reeditado em 14/08/2013
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