Na Fazenda da Taboquinha.

Na fazenda da Taboquinha.

Na década de 80, fiz uma viagem de trem entre Belo Horizonte e Montes Claros. Toda à noite, uma viagem encantada no carro restaurante, jogando buraco (biriba) e tomando cervejas (muitas mesmo) e contando piadas. Pela manhã já em Montes Claros seguimos para São João da Ponte a bordo de uma jardineira, uma viagem de poeira e muitos solavancos, mas sempre divertida com o grupo de amigos. Em São João tinha um cavaleiro nos aguardando com uns cavalos arreados, prontos para prosseguirmos viagem de algumas léguas até a Fazenda da Taboquinha.

Era muito lindo acordar na Taboquinha, neste lugar ao som de um galo cantador, mugidos e cantos múltiplos de pássaros de todas as espécies e ao som e um radinho de pilha tocando musicas sertanejas. Tudo ali faz crer, que estamos diante de um paraíso, encontro com a simplicidade de frente para a natureza com toda sua exuberância, que faz um olhar para dentro, sobre toda esta vida que levamos, nos grandes centros entre pedras, monóxidos, fumaça e trapaças.

Como não extasiar-se, ao cheiro que vem da cozinha de um delicioso café preto natural do fundo do quintal. Café feito em coador de pano branco, escaldado em borra do próprio café, para conservar todo sabor desta mágica bebida. O café da manhã sempre servido, com as mais deliciosas variadas guloseimas da culinária mineira como biscoitos, pão de queijo, bolos assados em fornos de barro ou às vezes de uma fritura, e sempre com a presença do famoso prato chamado “mexidão” feito com arroz, farinha, torresmo, lingüiça e ovos caipira, colocados sobre cada prato servido. Porém tinha um ritual matinal do pessoal do lugar, toda manhã antes do café, ir para o curral com uma caneca, cheia de rapadura raspada para tomar leite espumante ao pé da vaca, na hora da ordenha onde ensaiamos, a arte de tirar leite, que é lindo ver o jato branco espumante se misturando na caneca. É uma mistura gostosa, mas muito forte, que no primeiro dia causou certa indisposição estomacal em todos nós, mas nos próximos dias, nada anormal, assim era nosso belo amanhecer naquele fantástico lugar.

Um fogão a lenha sempre acesso com uma chaleira com café, acima do fogão uma espécie de varal, com paus roliços de onde se via varias lingüiças de porco a secarem, como um processo de defumação, que as deixavam saborosas quando fritas. A gente comia e lambe os lábios e sempre vontade de repetir. Ali não se pensa em colesterol, vive-se e pronto, de todas as coisas, que naturalmente se produz no lugar, era assim a vida naquele lugar.

Conheci o alambique, e todo processo da melhor cachaça da região, e não resisti, a provar da pinga saindo da bica do alambique, sempre com uma cabacinha simetricamente serrada na longitudinal e assim fiquei freguês do alambique, todos os dias antes do almoço, lá estava de cabacinha na mão, para tomar uma para abrir o apetite, como se necessitasse realmente, diante de tão saborosas iguarias da gastronomia mineira. Assim, não tem como não sofrer estas saudades, das coisas dos nossos campos, longe das cidades, onde se vive da natureza em perfeita harmonia.

Minha alegria se espalhava pela horta, nas manhãs, colhendo couve, escarola, taioba, cebolinha, salsa para uso no almoço. Ajudar a molhar a horta com a corrente e farta água, era tudo uma satisfação naquele contato com a terra. As galinhas soltas pelo terreiro, sempre a pedir algum tipo de comida, no que fazia com alegria, jogando milhos ou restos de comidas ou folhas da horta. Algumas delas tiveram o destino das panelas, ora num pirão de farinha de milho, ora mergulhada numa panela de quiabo, naquele lugar comer era uma delicia, que fazia inveja aos melhores cozinheiros do mundo da gastronomia.

Tudo isto me dá uma saudade apertada no peito, e desta saudade vivo em sonhos de uma volta, nem que seja por um instante, reviver as coisas que nunca mais vi deixadas ali, numa fazendinha num cantinho de Minas, lá pelas bandas da Taboquinha na região de São João da Ponte, pertinho da divisa com a Bahia, mas me vem o pensamento. Imagina, se o tal do progresso chegou àquele lugar juntamente com a energia elétrica e agora o povo aprendeu a tudo congelar?

Talvez seja melhor deixar como está, pois dá um frio aqui no coração.

Toninho

14/06/2011.

Toninhobira
Enviado por Toninhobira em 22/06/2011
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