Minha  Ilha de Brocoió
                                                                                                   Brocoió- homem do interior.

 

                                                                                                                                                      

 

 

                               Sempre corremos o perigo da repetição de erros. Não me refiro aos erros individuais, esses, felizmente, acabamos por superar, caso tenhamos algum senso e um coração disposto ao arrependimento. Falo das grandes catástrofes coletivas, já o nome coletivo me apavora.

                               Lembro-me   das massas que não raciocinam e que se deixam levar por um louco visionário.  As figuras  históricas estão aí, recentes, na nossa mente: Hitler, Mussolini, Mao, etc.,etc. e etc., para ser bem enfático.  

                               O leitor, naturalmente, já quer saber onde vou chegar.- Já direi, já direi,  respondo. Aliás, na verdade, não quero chegar, quero ficar onde estou. Na minha ilha de Brocoió.

                               O que está me preocupando deveras é essa volúpia das pessoas em voltarem a falar em  espírito  coletivo. Acabei de ver uma frase de um grande autor de teatro, estrangeiro, naturalmente, afirmando que os povos que têm heróis são infelizes. Por trás dessa frase bonitinha, mais ordinária, existe algo medonho: esse autor sonha com o coletivo, sonha  com a  uniformidade,  em nos transformar em soldadinhos de chumbo.

                               Agora entendo o meu amigo que vive há muitos anos no Japão. Ele me diz que o povo japonês nutre verdadeiro ódio ao seu imperador. Todos dizem: “o imperador não vale nada, não é ninguém”. Gozado,  eles não culpam os americanos pelas bombas atômicas jogadas no  país deles. Para eles, incrível,  o culpado é o imperador. Devem ler o tal autor de teatro.

                               Constato que o japonês evoluiu muito nas mesuras, são exímios  nas mesuras. Já o americano, com uma origem bucaneira, não conseguindo  essa finura de gestos, apela então para o politicamente correto. Os americanos  evoluíram para as frases corretas. Repetem as frases certas, como papagaios.  Alguém dirá:  “mas como?  com o americano tudo bem, já há uma birra generalizada contra ele. Mas o japonês não é evoluído, não é educadíssimo? Você mesmo já ressaltou as qualidades deste povo” - Sim, sim, responderei positivamente.  Porém, o que eu queria mesmo era afirmar que   existe no mundo um povo realmente espiritualizado, não só formalmente educado, vocês entendem?  E eu pergunto:   E a alma, a alma? Está evoluindo?

                O que quero dizer, para minha desolação, é que a humanidade ainda está na fase da pose. Como dizia o nosso antigo  dramaturgo Nelson: fazemos pose para acordar, para escovar os dentes e para tomar café.

                               As incoerências, os paradoxos e as falsidades ainda prevalecem no velho homem, viva ele em Côte D’Azur, Nova York ou Tókio, e até em “Brogodó”.  O impiedoso leitor, se pudesse falar comigo neste instante que me lê, diria: “até agora não me convenci de nada, aponte pelo menos as  incoerências” . Em resposta, eu diria ao nobre leitor que poderia apontar mil incongruências, vamos falar assim . É que estou sem jeito de narrar tais fatos. Mas que diabo, penso  que a minha idade já permite essas liberdades e os leitores hão de me entender. Pelo menos, vai servir como cultura geral.  Tomo coragem.  

                               Conto  duas pequenas histórias que elucidarão o que estou, educadamente, sem ser japonês,  querendo dizer. Vamos à primeira, contada pelo nosso querido dramaturgo, genuinamente nacional.    Estava ele num velório. Vejam bem, amigos,  num velório! Portanto,  momento difícil de se  manter a pose. A  viúva gritava, esperneava inconsolável,  chorava prantos convulsivos. Numa hora dessas,  até o nariz chora, a tal coriza nasal. O leitor vai dizer: perfeito, momento de dor, tudo certo. Calma, calma, vem aí o desfecho. Os circunstantes, apavorados com a viúva, trazem um copo d’água para ela. Como ela continuava a chorar a bandeiras despregadas, as pessoas gritam:  “fulana, bebe, bebe”. Foi, então, que a viúva, aos prantos, pegando o copo com as duas mãos, pergunta: “filtrada?”   

                               E a segunda história, contada pelo meu amigo que está no Japão, refere-se ao “pum” dos japoneses. O meu amigo já teve que sair várias vezes de recintos fechados por não aguentar o odor. E como eles gostam e soltam gases. Em qualquer lugar, caro leitor. Não respeitam hora,  dia, nem lugar.    Semana passada,  esse amigo estava no aeroporto, fazendo um “check-in” e levou um verdadeiro” xeque-mate”  do senhor japonês  ao seu lado. De repente, ouviu-se  um “pum” de alta sonoridade e com um silvo longuíssimo. Ninguém no aeroporto deu a mínima. É como se nada tivesse acontecido. Nem levantaram o olhar para o velho “japona”.

                               É por isso que eu sempre digo: o ser humano é desnorteante. Aliás, seria mais incisivo: “desconcertante”.   Assim, fica difícil qualquer análise. O amigo do Japão informa que lá muitos brasileiros são assassinados, há muitos suicídios. Apesar da educação, as mazelas teimam em existir.  

                           Está certo que não devemos cultivar heróis. Concordo.  Nesse ponto, prefiro ser iconoclasta. Abaixo os falsos ídolos.  Mas a história nos mostra claramente que precisamos  das pessoas diferenciadas, dos estilistas, como se dizia no tempo do meu pai, que são exemplos,  que sempre conduziram a humanidade para outros patamares.  Principalmente, nesta nossa era da mediocridade.   Coletivismo outra vez, seria insuportável, no sentido pavoroso da uniformidade.  Sem excesso de frases corretas,  mesuras e poses.  E, logicamente, sem “puns” em determinados locais, temos obrigação de amadurecer.    É só aprender, no mais amplo sentido,  a respeitar o outro, só isso!