A VIAGEM

Darkinha tem viagem marcada para o exterior. Vai às compras. Bilhetes comprados, uma amiga de confiança por companhia. Questão de segurança. Não se sente bem viajando sozinha. Vai ao banco. Troca o dinheiro com larga margem para os gastos. Terra estranha sem dinheiro? Jamais! Tudo garantido pra não passar nenhum aperto. Conta as várias cédulas que vão para o fundo da bolsa: sensação de conforto.

Sapatos novos. Pretos, brilhantes, de salto médio. É uma mania antiga. Sempre compra sapatos novos para viajar. Novinhos, macios. Gosta deles assim. Bonitos os sapatos! Não vai fazer feio. A não ser pelo par de meias brancas que coloca sobre eles pra não esquecer na hora de sair. Pode ser que faça frio. E ela odeia frio! Nesse caso, não quer nem saber se sapatos pretos ficarão elegantes com meias brancas. É prevenida...

Passagens, acompanhante, dinheiro suficiente, sapatos novos, meias. Tudo preparadinho. Um aconchego gostoso a deixa animada. Que bobagem foi aquela de pensar em adiar o que tanto desejava? Vai comprar coisas que a deixarão feliz. E depois, o lugar é lindo e vai ser muito bom poder conhecê-lo. Nada vai dar errado. Por que daria? Com as coisas assim pensadinhas, bem calculadas, tá tudo perfeito...

Ansiosa! Darkinha é caseira, gosta do cotidiano, de cada coisa no seu porta-coisa. Mas tá feito! A rotina vai ser quebrada, a viagem vai acontecer. É hora! Tem pouco tempo pra se aprontar! Arruma suas coisas. Meu Deus! Cadê os sapatos? Alguém mexeu em tudo! Que desorganização! Procura desesperada! Olha mil vezes nas gavetas, atrás das portas, debaixo da cama, levanta panos, peças de roupas. Pânico! Os sapatos simplesmente desapareceram. Ninguém em casa... Socorro! Alguém sabe, alguém viu onde foram parar os sapatos? E agora?

Ufa! Olha ali! Achou! Um pé do par de sapatos aponta sob o sofá. Calça-o imediatamente. Fica horrível! Claro! O pé é idêntico, mas não é o novo. O salto tá todo arranhado, a ponta toda amassada. Segue adiante. Num armário, uma caixa! Graças a Deus! Eles só podem estar ali. Retira sofregamente vários calçados. Pretos, coloridos, com ilhoses, com laços, pequenos, enormes... Nada lhe serve. Pega o do fundo! Achou! É ele! Mas que coisa! Só tem um pé! Cadê o outro? Com um pé só não dá! Viagem definitivamente can-ce-la-da, claro!

Angústia! Desespero! De repente, uma luz! Uma clara e forte luz: o sol das dez invade o quarto. Olhos abertos, Darkinha se vê na própria cama, suada, aflita, o corpo ardendo em ansiedade. Levanta-se abatida: sabe que mesmo calçados pelos melhores sapatos, seus pés, pelo menos por enquanto, não a levarão para a viagem que ela tanto sonha... Aquela que, muito longe de ser a das compras, é outra muito diferente... Correndo pra terapia... Vam’bora, Darkinha?