Amor de verão

Neste domingo, resolvi que limparia minha primeira gaveta, onde guardo os mais variados tipos de papel. Joguei fora contas velhas, dispensei sem remorsos os números de telefones anônimos e aqueles cujos nomes nada me diziam, e passei sem problemas pelas poesias rascunhadas em bolachas de chope. Ia bem, até que encontro uma carta velha; antiga não, velha mesmo.

Em letras redondas e prateadas, tão infantis quanto femininas, está escrito meu nome e um endereço –este sim, antigo– que gosto de pensar que ainda é meu. Viro o envelope e encontro, também em prateado, frases que nunca me foram ditas e um nome de mulher em construção, desenhado em rosa e azul com uma espécie de cola decorativa que prosperou na minha infância, mas parece ter desaparecido das papelarias nos últimos anos. O endereço, que segue abaixo, é de um lugar distante que imagino pequeno e belo, onde ainda deva haver cavalos, daqueles que escapam dos currais na madrugada e têm, por função principal, não a locomoção, mas a obrigação de povoar de sons as madrugadas solitárias, batendo seus cascos fugitivos contra os paralelepípedos. Ah, tem de haver uma praça, que deve tomar boa parte do orçamento da prefeitura e uma fonte que toma quase todo o orçamento da praça. Será nessa fonte, bela e cara, que se sentará a mulher que não mais me escreve e derrubará pedras e lágrimas, enquanto pensa em mim. E quiçá o faça num domingo, num fim de tarde, e deixe para trás uma gaveta cheia de papéis inúteis. E de domingos melhores.

luciano araujo
Enviado por luciano araujo em 28/06/2011
Código do texto: T3063566