Tratamentos pessoais

Se existe algo que me encanta e vez por outra me chama a atenção, diz respeito aos termos que alguns de meus amigos utilizam no tratamento mútuo e diário. Para alguns deles, os atributos adotados tornaram-se quase que uma marca registrada e pessoal. Com o passar do tempo, por uma questão de admiração e respeito por eles e por suas boas escolhas, fui incorporando ao meu repertório vocabular algumas dessas palavras, de forma cada vez mais seletiva e criteriosa, em substituição ou em adição ao nome daqueles que me são caros.

Cabe, aqui, fazer uma distinção entre o tratamento comum que observo entre pessoas que possuem um certo grau de relacionamento mais íntimo, daquele apresentado por pessoas que possuem, simplesmente, estreitos laços de amizade. Nesse último caso, dependendo do grau de amizade, considero a possibilidade de um tratamento especial e diferenciado, sem que isso possa significar uma aproximação além da conta ou uma invasão da privacidade alheia. Diferentemente, é fácil perceber que casais apaixonados encontram, cada um a seu modo, um jeito ímpar de chamar seus pares.

Já se passaram alguns anos desde quando percebi com uma nítida ponta de satisfação que uma amiga minha costumava chamar a mim e a outras pessoas próximas pelo termo “amiguinho” ou “amiguinha”. Isso me era, particularmente, agradável porque me remetia aos tempos de infância, quando na escola era essa a palavra que mais definia os meus companheiros de jornada e as relações amigáveis que mantínhamos. Era muito comum (e ainda é!), quando criança, ouvir perguntas do tipo “quantos amiguinhos você tem na escola?”, “qual o amiguinho ou amiguinha da escola que você gosta mais?” e por aí se estendiam os diálogos... Não teve jeito! Rapidinho, adotei o vocábulo.

Apesar de ser uma expressão comum, certa vez outra amiga me surpreendeu em um e-mail ao me chamar de “meu querido” (sou do tipo dos que ainda se surpreendem com coisas simples). E, apesar do pouco tempo de convívio com ela, foi fácil concluir que essa era a maneira comum e natural que usava para se dirigir aos amigos mais próximos, além de fazer jus a toda sua fina classe. Mais uma vez, rapidinho, incorporei a expressão.

Em algum momento de minha história, o termo “camarada” representou mais uma adoção. Já não me recordo em que estação da vida essa palavra escorregou para dentro da minha bagagem de atributos amigáveis. Alguns amigos julgam que eu o teria adotado por alguma influência política ou partidária. Independente disso, está em uso. Botei na diária.

No entanto, como bem dizia a raposa ao Pequeno Príncipe no clássico de Antoine de Saint-Exupéry: “a linguagem é uma fonte de mal-entendidos”. A experiência, mais uma vez, me levou a acreditar que o mundo das letras é um campo delicado e, sutilmente, minado. Você pode estar potencialmente armado com uma faca de dois gumes, a palavra, e não se dar conta disso. Um inocente tratamento que para você poderia significar uma demonstração de cuidado e carinho pela pessoa do outro, pode soar como um tapa na cara ou um verdadeiro destrato.

Lembro de uma ocasião em que a bola da vez era a palavra “tia”. Para uma pequena parcela de minhas amigas, problema nenhum. Para outra parcela do mesmo universo, esse monossílabo aparentemente inofensivo, acabou se tornando uma bomba-relógio sem hora marcada para explodir, além de gerar uma enorme polêmica.

Como de toda experiência na vida ficam as boas lições aprendidas, hoje, pelo sim e pelo não, seja lá qual for o termo pelo qual me encante, opto pela cautela. Por isso, antes de sapecar um “camarada”, “meu jovem”, “amiguinha”, “minha querida” e, principalmente, um “tia”, penso comigo mesmo: muita calma nessa hora! Afinal de contas, como diz a máxima popular, “cautela, assim como caldo de galinha, não faz mal a ninguém”.

Mano Kleber
Enviado por Mano Kleber em 01/07/2011
Reeditado em 26/10/2012
Código do texto: T3068247
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