A senhora da janela ao lado

Atualmente, moro em um prédio que tem por vizinhança muitos outros prédios. Em uma cidade que cresce cada vez mais, não só para os lados, como também para o alto, é quase impossível não estar inserido em um espaço que não possua uma configuração parecida.

A esquadria da cozinha do meu apartamento dá para as janelas laterais de um deles. Moro no segundo andar, mas o que equivale a um terceiro, já que no meu tem um mezanino. Antes de sair para o trabalho, durante o café da manhã, involuntariamente, dou uma espiada pela esquadria para ver o que se passa lá fora. As imagens são quase sempre as mesmas. O pano de fundo é, basicamente, uma parede mal-pintada e precariamente revestida, com quartos e áreas de serviço que apontam em nossa direção. Vez por outra, surgem flashes do cotidiano, mas nada que vá além da privacidade de cada morador: gente comum, fazendo atividades comuns e se preparando para o dia que começa.

Entre os retalhos de imagens em movimento que vou recolhendo, apenas um me chama a atenção. No primeiro andar do prédio vizinho, debruçada sobre a janela de seu quarto, uma senhora visivelmente idosa, invariavelmente, acompanha a vida acontecendo diante de seus olhos. As grossas lentes dos óculos que utiliza revelam uma dessas inúmeras dificuldades que nos são reservadas pelo tempo. Na última vez que a vi, os cabelos estavam envoltos em um lenço vermelho, com o cuidado de quem se preparou para assistir algo verdadeiramente muito importante para ela: ver o tempo passar. É uma mulher de gestos lentos. A senhora da janela ao lado não expressa nenhuma alegria, apenas observa. Em determinados momentos, espicha ou estica mais o corpo e o pescoço na tentativa de ir um pouco mais além do seu limitado campo de visão.

Ao que me parece, aquele hábito diário adotado por ela incorporou-se à sua rotina como um passatempo ou alguma espécie (in)consciente de terapia. É como se o parapeito de sua janela fosse seu camarote particular, a partir do qual assiste a vida acontecendo ao vivo e em cores. Sua janela é seu próprio tubo de imagens que se abre para o mundo. As imagens que vê, parecem ser suas melhores e únicas companhias naquele instante do dia. Além da visão parcial de outros prédios e de algumas poucas árvores, pode acompanhar os carros que trafegam pela rua, outros que manobram nas garagens de seu condomínio e pessoas que passam pela calçada.

Nem de longe imagino quais os pensamentos que povoam a mente daquela senhora diante desse seu silencioso café matinal e visual. Ela comporta-se como alguém que assiste a um filme, quietinha em seu canto, sem incomodar ou sem ser incomodada. Talvez, fique ali horas e horas matutando sobre o desenrolar de todas aquelas cenas. Particularmente, ela me passa a estranha sensação da solidão esparramada na janela tentando sobreviver a mais um dia, que costuma ser longo demais para os que esperam por algo ou por alguém. Mas, imagino, e é quase uma certeza, que da minha janela e da dela temos visões diferentes da vida, marcadas pela história no tempo e no espaço que nos separa.

Mano Kleber
Enviado por Mano Kleber em 04/07/2011
Reeditado em 26/10/2012
Código do texto: T3074808
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