A vida como um grande hipertexto

Uma das sacadas mais geniais no mundo da internet atende pelo nome de “hipertexto”. Para quem ainda não associou o nome à criatura, vou tentar explicar de uma maneira bem simplista do que se trata, para que essa crônica (ou seu mote) não se torne algo enfadonho, cibernético ou de outro planeta. Hipertexto nada mais é do que um texto com “portas” para outros textos. Simples assim!

De um modo geral, o ponto de partida pode ser uma palavra ou uma expressão contida em um texto da internet que, ao serem clicadas, nos remetem a outras páginas de texto. Eles funcionam como porta de passagem para, digamos assim, expandir o conhecimento sobre termos relevantes do assunto em questão. Para quem já teve a oportunidade de dar uma espiadinha no site da Wikipedia vai perceber um bom exemplo de um ninho de hipertextos.

Ocorre que essa invencionice, assim como tantas outras do mundo real, já existia no mundo das ideias. É quando se percebe que essa é uma daquelas claras “invenções” que apenas aguardava um momento propício ou um local adequado onde pudesse se manifestar. Navegar pela internet nos revela que as possibilidades são muitas. Iniciamos em um ponto a leitura de um texto recheado de hipertextos e, se o tempo e a curiosidade permitirem, somos capazes de desembarcar em um outro completamente diverso de onde pretendíamos chegar. Sem falar que se torna quase impossível refazer o caminho de volta.

E, por que o hipertexto é algo que funciona e encontra tanto respaldo no cognitivo das pessoas? Ora, porque é assim que gira o nosso modelo mental. Eu penso assim, você pensa assim, o ser humano funciona assim. Pela manhã, logo que acordamos, os pensamentos vão se formando lentamente. Pensamos em algo e quase que instantaneamente esse algo nos chama a atenção e somos levados, desviados ou puxados para outros assuntos diversos ou relacionados. De uma forma análoga, a teia de caminhos possíveis em nosso cérebro foi traduzida para o mundo real por meio dos hipertextos.

As páginas de vida que construímos ao longo dos anos seguem essa filosofia. Uma palavra, uma música, um perfume, uma foto, um objeto, uma lembrança, um lugar... tudo serve de “porta” de acesso para situações vividas no passado ou, ainda, a serem vividas no futuro e que podem ser acionadas sempre que esses elementos se repetirem no presente.

Ao passar em frente a um parque de diversões, por exemplo, sinto cheiro de infância e de infância bem vivida. Na parede da minha memória, nada de brinquedos sofisticados, apenas aqueles mais simples, gangorra, balanço, escorregador, carrossel, além de crianças correndo por todos os lados, sem pressa para crescer... e, é claro, um aroma de felicidade espalhada pelo ar.

Cresci ouvindo Chico. Qualquer melodia desse extraordinário cantor e compositor, especialmente as mais antigas me trazem de volta boa parte das lembranças de minha adolescência. Por conseguinte, outras imagens, emoções ou situações vêm a tiracolo. É bem provável que você também tenha um cantor de sua preferência ou uma canção (ou várias), exclusivos, que lhe remetam a algum momento especial de sua vida.

Outro exemplo?! A palavra “prazo”! Esse simples vocábulo, inevitavelmente, ressuscita minhas relações mais amigáveis e não tão amigáveis com o tempo em minha fase adulta. Vez por outra, quando preciso de um exemplo prático para falar aos meus alunos sobre a relevância desse termo e como ele pode ser determinante na vida de alguém, clico numa situação pessoal em que uma ex-namorada me colocou em apuros ou, pra ser mais sincero, em uma tremenda calça justa. Tudo por uma questão de um “prazo exigido” pelo meu ex-futuro-sogro. Mas, essa é só mais uma porta de acesso para uma outra crônica.

A sequência de portas que podem ser abertas, praticamente, se estende indefinidamente. A vida é por si só um conjunto infinito de hipervidas, hipersituações, hiperemoções, hiperlembranças, hipersensações... Basta girar o trinco de uma delas e perceber aonde sua imaginação pode lhe levar.

Mano Kleber
Enviado por Mano Kleber em 04/07/2011
Reeditado em 26/10/2012
Código do texto: T3074992
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