Fantasma

Desde criança um pesadelo assombra minha vida. É um terrível fantasma, que, quanto mais o tempo passa, mas aterrorizante ele fica. Esse fantasma se chama câncer! Na minha família, por parte da minha avó materna, todos morrem de câncer, impressionante e assustador!

Quando eu era pequena eu tinha somente a história do meu bisavô, que havia morrido de câncer de próstata e da minha tia mais velha, que morreu de câncer de mama, quando eu tinha apenas vinte dias de nascida. Ela não chegou a me conhecer, não viu o meu rosto! Pra mim essa tia é uma espécie de lenda, sei lá, é algo que me contam, que eu imagino, mas que eu não vivi, que eu não tive o prazer de conhecer.

Depois dessa tia, minha mãe perdeu uma tia dela e duas primas, todas com câncer de mama. E assim eu fui crescendo, ouvindo as histórias de morte, mas também as de superação e cura. Quando eu contava com quinze anos, minha avó foi diagnosticada com câncer de mama. Ela fez a mastectomia, fez tratamento, radioterapia. deveria ter feito quimioterapia, mas ela já estava bastante idosa e não resistiria ao tratamento. Aparentemente ficou boa, vida normal. Faleceu quatro anos depois, com metástase, porém não foi o câncer que a matou, foi uma doença degenerativa que ela também tinha, mas o câncer estava ali! Quando ela morreu, eu contava com dezenove anos. Sofri muito, pois os dois últimos anos da vida dela, nós dormíamos lado a lado, no mesmo quarto.

O tempo foi passando e eu sempre com esse medo da tal doença. E assim eu fui perdendo meus tios-avós, uma a um, todos de câncer! Em outubro de 2003 a mamografia da minha mãe acusou uma alteração, o ultrassom confirmou e a biópsia não deixou dúvidas! Ela estava com um câncer de mama bastante agressivo. O meu mundo simplesmente caiu! Eu não sabia como olhar pra minha mãe, o que dizer pra ela. Eu fiquei dois dias sem sair de casa, chorando e ensaiando o que eu diria quando a visse. Até que eu me toquei que eu deveria agir normalmente, como sempre foi, abraçá-la. beijá-la, como sempre fiz. E a força que ela demonstrou diante do fato foi o que me surpreendeu e me ajudou a também ser forte.

Em janeiro de 2004 ela fez a mastectomia do seio esquerdo. Incrível a auto-estima dessa mulher! Ela saiu do hospital toda bonita, de batom e salto alto, parecia até que tinha ido ali fazer uma seção de relaxamento! Em fevereiro começaram as seções de quimioterapia, logo em seguida fizemos uma festa de bodas de prata pros meus pais, que aliás, foi linda! E no dia seguinte à festa, os cabelos da minha mãe começaram a cair. Imediatamente ela foi ao salão e mandou raspar a cabeça. Ficou linda, como sempre. e meu pai, assim que ela se levantou da cadeira da cabeleireira, sentou-se e pediu que ela raspasse a cabeça dele também! E isso foi repetido pelos meus dois irmãos. Saíram os quatro carecas e sorridentes do salão. A cabeleireira ficou chorando e disse que nunca tinha visto aquilo, uma cena tão linda e emocionante de perto! E assim os quatro passaram os seis meses de quimioterapia, carecas! Os homens não deixaram o cabelo crescer enquanto os da minha mãe não crescesse também.

E assim minha mãe seguia os dias, lutando e com muita fé. Mas quando foi em abril deste mesmo ano, na semana santa, exatamente, recebemos a notícia de que minha tia, uma das irmãs dela, estava com câncer em estágio terminal! Que não tinha mais o que fazer! Aquilo foi um choque terrível, algo inexplicável e e inacreditável! Ela durou exatamente três meses depois do diagnóstico! E a cena que eu presenciei, nunca mais sairá da minha memória. Minha mãe, carequinha, debruçada no caixão da irmã, perguntando o porquê de ela não ter lutado, de ela não ter conseguido compartilhar com a gente o sofrimento dela! Essa cena ficará marcada, como a um filme, por toda a minha existência, por toda a eternidade!

Isso foi o nosso chão que se abriu, foi algo tão de repente, tão agressivo e que só fez aumentar o meu pavor, que só fez essa fantasma tomar proporções aterrorizantes! Meio que faltando o ar e com uma sensação de impotência, continuamos a vida, minha mãe sempre firme do tratamento, até que recebeu o diagnóstico de cura! Foi um dos momentos mais felizes das nossas vidas! Foi uma glória tão grande, que só pudemos agradecer!

Essas dias eu me submeti a um exame de mapeamento genético, indicado pelo mastologista e oncologista que cuida da minha mãe, a fim de saber a porcentagem de chances que eu tenho de desenvolver um câncer de mama. O resultado simplesmente foi de cem por cento de chance de eu vir a ter a tal doença! Isso foi um choque terrível, apesar de toda uma preparação psicológica para receber essa notícia. Sempre esperamos o melhor. Não é fácil conviver com essa certeza do sim e com a incerteza do quando, do até quando! Porém existe uma maneira de profilaxia, bastante drástica, porém muito eficaz, que é a mastectomia completa. Ou seja, a retirada dos meus dois seios. Somente isso trará a certeza de que eu não terei um câncer de mama, se eu não tiver mais as mamas! Imagina como fica isso na cabeça de uma mulher de 31 anos! Não é nada fácil de aceitar! E por enquanto eu ainda preciso digerir o fato. Apesar de que já sairei da mesa de cirurgia com uma prótese de silicone, ainda assim é muito agressivo!

Desculpem-me ter feito vocês lerem minhas lamentações, parabéns e muito obrigada a quem conseguiu ler até aqui e terem compartilhado desse desabafo comigo! Estou até mais leve por ter escrito! Grande abraço aos meus amigos!

Mi Guerra
Enviado por Mi Guerra em 07/07/2011
Reeditado em 07/07/2011
Código do texto: T3081218