Bloody sunday... Só mais um domingo

Uma festa acontecia, um aniversário, eu acho, quando um tiro foi disparado, a garota gritava com o joelho destroçado, a música não parava de tocar. Um garoto tentava evadir-se pelos quintais de arma em punho, alguém o viu passar e esconder-se no depósito, outro alguém, dizendo-se o namorado da vítima de alguma forma o capturou e o expôs ao julgamento popular, um policial foi comunicado que um espancamento está em curso, passou no local, só fez de contas. Em alguns minutos o corpo estava estendido no chão, a música não parava de tocar e alguém ainda substituiu o CD. No asfalto cinza, uma atitude negra, resultou em um corpo branco, de cabelos amarelos, com hematomas púrpuros, onde o sangue rubro dava contornos finais a uma aquarela dantesca que amanhã venderia nas páginas da imprensa marrom.

E assim passou o domingo, um dia a mais de “trégua”, de festa, e de horror, onde o caos se instalou em um pequeno pedaço de alameda com a conivência do poder público. A sede de matar era tamanha que gente que passava pelo local, transeuntes mesmo, também participaram do linchamento e depois, da festa, onde foram recebidos como velhos amigos.

Daí vem a reflexão típica da idade, porque hoje eu fiquei em casa ao lado da companheira e dos moleques? Tive minha taça de vinho interrompida, com a confusão da rua, depois do gol do Botafogo, peguei meu pequeno e fomos ver os Simpsons no cinema. Tá legal, errei de filme,...logo os Simpsons? Mas pelo menos a violência é virtual, só mata de rir, brincamos no carrinho bate-bate, comemos churros e voltamos a realidade fora do glamour do shopping. As marcas da obra macabra estavam lá, o cheiro da incoerência exalava na alameda numa mistura de odores mais diversos, me tranquei em casa sem falar com ninguém e acabei de tomar a garrafa de vinho que também ainda estava lá.

Depois de uma noite mal dormida, acordei depressivo e escrevi esse artigo apenas pra comprovar minha impotência diante dos acontecimentos e ao mesmo tempo ratificar o nível de desprendimento que atingi com relação a fatos dessa natureza. O “cara” deu um tiro na garota, depois foi trucidado, a festa não parou e eu “naturalmente” fui ao cinema. Insensibilidade? Talvez, mas também uma série de outros fatores que ao longo da vida me fazem tomar atitudes como esta, proteção, desconforto, falta de alguém para recorrer, os amigos de verdade já não são tantos, de uma grande turma de malucos sonhadores poucos sobreviveram ao capitalismo, outros sucumbiram às drogas e os mais bem posicionados foram engolidos pelo sistema, daí sobraram...sobraram ... “eu a patroa e as crianças”.

Anderson Du Valle
Enviado por Anderson Du Valle em 08/07/2011
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