MARLILSON SANDOVAL PEREIRA – UM VERDADEIRO BRASILEIRO

MARLILSON SANDOVAL PEREIRA – UM VERDADEIRO BRASILEIRO

Era manhã de segunda-feira em um bairro de classe média do município de Vila Velha-ES. Sérgio Lopes, como de hábito, acorda cedo para abrir sua Casa Lotérica. Antes, toma um banho gelado, não por opção, mas é porque a conta de energia veio nas alturas no mês passado. Vai até uma padaria próxima e compra quatro pães e um litro de leite.

Sérgio é separado e vive somente com seu pai, Seu Antônio, de 93 anos. Os pães comprados, quentinhos, são para ser divididos com o pai.

Sérgio está tomando café quando Seu Antônio chega na copa. Bom dia para lá e para cá. Sérgio avisa que está saindo, pois precisa trabalhar. Implora ao pai para tomar os remédios prescritos pelo Doutor Machado, médico da família de muitos anos.

Antes de sair, Sérgio vai até uma lixeira que fica ao lado da geladeira para pegar um pacote no seu interior, que ele havia escondido no sábado à noite. Trata-se do dinheiro arrecadado em sua casa lotérica na última sexta-feira e sábado. Parece estranho, mas Sérgio adotou esta técnica desde o ano passado, pois os assaltos no bairro triplicaram e ele tem medo de perder o dinheiro de apostas e contas pagas, que não lhe pertence. Se a casa vier a ser invadida por meliantes, a lata de lixo deve ser o único lugar da casa que não será revirado.

Ao se deparar com a velha lata de dejetos, leva um susto. Ela está vazia. Apenas um saco plástico de supermercado vazio está aberto em seu interior. Onde está o pacote de dinheiro? Sumiu. Sai em direção ao pai e pergunta se ele havia visto o pacote. O pai responde que não. Mas como então o dinheiro sumiu se apenas os dois residem na casa? Depois de forçar a memória do velho Seu Antônio por meia hora, descobre a verdade. O pai havia jogado o lixo fora, na noite anterior. Nunca havia acontecido isto antes. O pai não sai sozinho nem na calçada de casa, mas naquela noite de domingo, por azar de Sérgio, o velinho resolveu ficar ativo e levou o saco de lixo, com o pacote de dinheiro dentro, para fora da casa.

JESUS! Gritou Sérgio. Correu até a calçada, mas era tarde. O caminhão de lixo havia passado e levado o lixo de toda a vizinhança. Sérgio desesperou-se. No pacote, havia R$ 12.500,00 (doze mil e quinhentos) reais.

Andava de um lado para o outro no interior da casa. Seu Antônio, mesmo sem entender muito bem toda a situação, começou a chorar vendo a angústia do filho. Sérgio consolou o pai. Disse-lhe que não era culpa dele. Culpado, segundo ele, era ele próprio. Tanta burrice colocar o dinheiro no lixo. Mas dada a circunstância de violência em seu bairro, achou que era a única forma de evitar um prejuízo maior, em caso de assalto.

E agora José? Já dizia Carlos Drummond de Andrade. Sérgio tinha que depositar nesta segunda-feira todo o movimento do final de semana. Como explicar esta situação à Caixa Econômica Federal? Não tinha como repor tanto dinheiro. Ele próprio só tinha R$ 240,00 (duzentos reais) em sua conta bancária particular.

Dirigiu-se até sua lotérica. Suas duas funcionárias foram comunicadas do acontecido. Choraram juntos. Sérgio resolveu ir até à Caixa e conversar com o gerente. Já havia decidido vender o carro, um corsa branco avaliado em dez mil reais. Na Caixa, contou a verdade. O gerente lamentou a situação, mas disse que nada poderia fazer para ajudá-lo. Ele deveria se virar para arrumar o dinheiro em no máximo dois dias. Recebeu uma informação inusitada, no entanto. O gerente informou que ele deveria ter comunicado à Caixa que havia sido assaltado. Neste caso, o seguro cobre os prejuízos. Mas não era essa a verdade, pensou Sérgio. O gerente disse ainda que agora era tarde. Não havia mais jeito de mudar a versão, pois muita gente já estava sabendo da estória.

Sérgio teve uma idéia mirabolante. Foi até a sede do jornal A Tribuna, de grande circulação no município de Vila Velha. Contou seu drama a uma repórter e teve sua estória publicada, com destaque, no dia seguinte. Mas isso não era suficiente para resolver seu problema, pois a dívida persistia. Já estava desacreditado e tentava desesperadamente vender o carro.

Agora é que entra na estória, o Sr. Marlilson Sandoval Pereira. Um senhor de 63 anos que trabalha como gari para a Prefeitura de Vila Velha. Já se passara dez dias do início do drama de Sérgio. Seu Marlilson havia ouvido comentários a respeito, mas deixou de lado a estória.

Naquele dia, Seu Marlilson foi trabalhar no lixão da cidade. Sua função era de separar objetos que pudessem ser reciclados. O forte odor lhe incomodava, mas o emprego era necessário. Em um destes lances de destino, Seu Marlilson resolveu abrir um saco de supermercado com as mãos. Lá no fundo, havia um pacote amarrado com barbante. Por curiosidade, resolveu abri-lo. Quase desmaiou ao deparar-se com um maço de dinheiro vivo, que em casa descobriu ser R$ 12.500,00 (doze mil e quinhentos reais).

Guardou o pacote e foi para casa no final do dia. Não dormiu naquela noite pensando no que fazer. Lembrou-se da estória publicada no Jornal A Tribuna de dias atrás. Fico ou não fico com o dinheiro, pensou angustiado. Depois de muito pensar, resolveu que iria devolver o dinheiro ao verdadeiro dono. Não era justo ele apropriar-se indevidamente deste calhamaço de dinheiro. Imaginou o sofrimento de Sérgio.

No dia seguinte, logo cedo, procurou o jornal A Tribuna. A repórter foi ao delírio com a estória. Era o furo do dia. Imediatamente, começaram os contatos para o encontro de Seu Marlilson com Sérgio. A redação do jornal parou para acompanhar o caso. Jornalisticamente tudo saiu perfeito e a matéria foi capa do jornal no dia seguinte.

Sérgio recompensou Seu Marlilson com mil reais. Ele agradeceu e disse que tinha vários planos de como usar este dinheiro. Falou que sua consciência o fez devolver o dinheiro. Virou notícia no site Terra e também destaque internacional na CNN.

Todos agora querem conhecer Seu Marlilson. Ficou famoso no bairro onde mora. Sérgio resolveu seu problema na Caixa. Por sorte, ainda não havia conseguido vender seu corsa branco. Seu Antônio, o pai de Sérgio, está aliviado.

A estória relatada é verídica. Aconteceu no mês passado no município de Vila Velha. Somente os nomes dos protagonistas foram trocados.

Em suma, Marlilson Sandoval Pereira é um homem decente, de caráter, um verdadeiro brasileiro. Gente como Seu Marlilson é que precisamos comandando nosso país.

Ricardo Pimentel Barbosa

Vitória-ES