Tem um gato me tirando do sério

Sempre tive animais, desde bem jovem. Minha mãe passou sua infância com gatos, galhinhas, cães, patos entre outros. Meu pai sempre foi um apaixonado por cachorros. Tão apaixonado que já levou 17 mordidas, mas nunca deixou de amá-los.

Bem semelhante à infância deles foi a minha, só que ao quadrado. Já chegamos a ter 18 animais de uma só vez (devido a ninhadas consecutivas). Jamais, em nenhum momento conseguimos viver sem eles. Mesmo quando tivemos de morar em um estreito apartamento, sempre dávamos um jeitinho para tê-los. Lembro de uma ocasião que criamos dois pintinhos, o Batata e o Macarrão, dentro de um apartamento no centro de Caxias. O prédio vivia sem água e meu pai tinha que subir e descer quatro andares carregando baldes para podermos tomar banho com garrafas pet de 2 litros. Chamávamos de garrafadas. Limpar sujeira de duas crianças não deve ser fácil, ainda mais com garrafas de guaraná, agora imagine limpar sujeira de duas crianças e dois pintos!

Depois dessa fase difícil, voltamos a morar em casa com quintal e de volta à bicharada. Eram sempre dois cachorros e três gatos, três cachorros e quatro gatos, dois e dois, um e dois, quatro e cinco... Não importava, tínhamos que tê-los. Embora as tarefas fossem sempre divididas, minha mãe sempre assumia a responsabilidade pelo grosso do trabalho. Nós gostávamos mesmo era de curtir a bicharada.

Quando se cria animais, aprende-se que a preocupação não se limita aos nossos apenas, mas aos dos outros também. Gatas entram periodicamente no cio, bem como cachorras. Os machos da vizinhança parecem saber bem disso. Durante um bom tempo, foi um sufoco até descobrirmos uma forte arma contra o cio: anticoncepcionais.

Mas, existe o efeito colateral que não pode ser percebido em curto prazo (leiam mais em Adeus Xênia): o câncer. Depois de perder a Xênia, decidimos não aplicar mais anestron ou nenhum outro medicamento desse tipo. Decidimos que iríamos castrar nossos animais. Mas, tenho uma gata que ainda é da geração dos anticoncepcionais. Ela já está com câncer e, por experiência própria, decidimos não mexer com ela. A correria de consultório, gaiolas, injeções abala muito o animal que apresenta um quadro de piora significativo. Ela já entrou no cio outra vez, depois que passou o efeito do medicamento e não emprenhou (o que seria uma tragédia).

Como estamos sem cachorro nessa fase da vida, o período de cio corre de maneira bem diferente de anos atrás. Os gatos machos da vizinhança entram em casa para procurar nossa gata no cio. Antigamente, como tínhamos cachorros, eram nossas gatas que saíam em busca de um cruzamento e muitas vezes acabavam envenenadas.

Um gato em especial está me enlouquecendo. Ele é a coisa mais linda que eu já vi. Tem uma cara redonda e é branco com redondas manchas amarelas. Um típico vira-lata. Mas, o que mais chama atenção é sua personalidade forte. Ele é destemido, forte, abusado, um verdadeiro macho-alfa. Além de tudo, é muito esperto e sabe provocar. Minha mãe sempre dizia que gatos são como a água: entram e saem por qualquer lugar. Não tomei ciência do significado dessa expressão até conhecer esse gato. Brechas em portas, basculantes, grades, arames e vidros. Quando a casa fica em silêncio, seja por estarmos dormindo ou trabalhando, ele entra. E só sai se for enxotado. Muitas vezes tive que correr atrás dele até que pulasse o muro, pois, cada vez que eu parava de correr, ele parava junto e ficava uns dois ou três metros de distância observando o que eu iria fazer.

Sempre comento sobre essa situação no trabalho e muitas vezes me arrependo. Tive que ouvir outro dia a sugestão mais dada, só que com conhecimento de causa: veneno. Agente sabe que existem pessoas capazes de envenenar animais só para se verem livres deles. É um ato de frieza, crueldade e covardia, pois, o canalha que faz isso, se aproveita de um instinto natural de recorrer ao alimento sem, no entanto, a ciência do veneno ali implantando.

É muito triste lembrar-se dos queridos animais que perdi por conta dessa crueldade e de como sofri. A Xênia chegou a ser envenenada duas vezes e sobreviveu por muita sorte. Foi vencida apenas pelo câncer, outro maldito, no entanto natural (adeptos da teoria da conspiração já sugeriram que o câncer tenha sido criado e implantado na sociedade).

Não sou santo e nem completamente puro, confesso que pensei em envenenar o tal gato. E quando assumo isso, sinto meu peito corroer em dor, não é simbólico, dói mesmo e fico pensando em como viveria depois de fazer uma coisa horrível como essa. Mas, só de pensar na tranqüilidade, nas noites de sono devolvidas, na economia com ração (já que todos os gatos da região almoçam aqui em casa), na limpeza e de estar livre do cheiro ácido de urina de gato e de ter minhas gatas limpas e comportadas novamente, já que a presença de um macho instiga o cio, bem como sua ausência ameniza.

Tive uma briga com ele outra noite e consegui fechar a casa com ele aqui dentro, foi um correr corre engraçado, até que ele cansou e ficou com a barriga na lâmina do basculante da cozinha. Duas patas esquerdas dentro de casa e as duas direitas fora, mas o corpo não passava. Naquele momento eu poderia fazer o que bem entendesse e me lembrei de denúncias no Orkut sobre maus tratos de animais. Como as pessoas poderiam sentir prazer em maltratá-los? Ele estava ofegante, indefeso, seus olhos bem arregalados expressavam medo e dor (gatos no cio frequentemente brigam entre si e ficam com feridas abertas no focinho e pescoço). Suas unhas nem conseguiam mais defendê-lo ou atacar seu oponente. Rapidamente a raiva que me possuía se esvaiu e percebi que a covardia não poderia ser dele em interromper minha paz, mas minha por tentar anular algo completamente normal em nossa natureza.

Foi a seleção natural que trouxe, no decorrer dos séculos, os gatos domésticos até nós (claro que ela tem feito muito bem seu trabalho, os gatos estão longe de serem extintos) e os animais apenas seguem seus extintos básicos de se alimentar e procriar. É muito importante que os gatos de rua sejam castrados. Mas, á indispensável que nossos gatos domésticos também o sejam. Não queremos mais gatos na rua e matá-los só exibe nossa crueldade (que acredito também ser natural, mas que pode ser controlada pela racionalidade) e covardia.

Quando me sugeriram pela última vez que matasse o gato com chumbinho, fiz questão de descrever a morte (cena que recrio em minha mente sempre que me lembro dos queridos bichinhos que perdi dessa forma). As pedras descem arranhando e cortando a garganta e esôfago e fazem o mesmo estrago ao serem batidos no estômago. Quando se inicia a absorção do chumbo pelo organismo, no duodeno, o efeito inicial imediato: espasmos musculares, (que causam muita dor) falta de ar, arritmia, tonteira, aumento súbito da pressão arterial, salivação e dor, muita dor. Entre os efeitos secundários está a paralisia muscular que, se ocorrer no coração, simula um infarto. Mas, se esta ocorrer primeiro em órgãos não-vitais, a dor será ainda maior antes da morte. Quando afeta o pulmão, este paralisa aos pouco, causando dificuldade de respirar que vai ficando mais intensa até o ar ficar completamente bloqueado. A intensidade e velocidade dos efeitos variam de acordo com a dose. Entretanto, qualquer dose de chumbinho é fatal.

Quem tem coragem de matar um animal para se livrar de um problema, pode ser capaz de matar um ser humano pelo mesmo motivo. E não estou falando de legítima defesa em nenhum dos casos.

Depois de dar a descrição, encerrei o assunto mencionando que uma pessoa com 131 de Q.I. deveria ser capaz de pensar em uma solução viável para um problema tão simples que não fosse apelar para covardia.

Ao chegar em casa, senti o cheiro fétido de urina e deparei-me com o gato deitado em minha cama, a despensa totalmente violada e uma sensação impagável de dever cumprido.

Prima
Enviado por Prima em 13/07/2011
Reeditado em 13/07/2011
Código do texto: T3092973
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.