Recebi de um grande amigo essa crônica que saiu em um jornal, é de uma beleza sem tamanho, que resolvi dividir com vocês.  A Montanha Mágica e O Amor no Tempo do CÒlera  são belos. A crônica desse autor nos faz lembrar momentos maravilhosos dos romances, Vou procurar ler a história de Abelardo e Eloisa, pois conhecia os personagens , mas nunca li o livro. Agora tenho mais tempo . posso voltar ao meus grandes vícios que eram filmes e livros. Vejam que bela crônica.


                                    OS VELHOS TAMBÉM AMAM
 
 
O amor dos dois surgira no tempo em que ele é mais puro: a adolescência. Riam, passeavam pela praça, comiam pipoca, e faziam planos para quando se casassem.
Naquele tempo, antes dos progressos da ciência,  grassava uma praga mortífera chamada tuberculose que atacava os pulmões. Para ela não havia remédio a não ser comida, repouso e ar puro. O resto era o próprio corpo que tinha de curar-se.  Pois ela, a tuberculose, invejosa da felicidade dos dois jovens, alojou-se nos pulmões do moço. Ele teve de deixar a sua cidade e a sua namorada em busca de ar puro, no alto das montanhas, um sanatório, tal como Thomas Mann descreveu em seu livro A montanha mágica.
Quem ia para tais lugares de cura despedia-se com um “adeus” e  um olhar de “nunca mais”. Na melhor das hipóteses muitos anos haveriam de passar.
Anos se passaram, o tempo se arrastava, a espera se alongou. E quando a espera é muito longa os sentimentos se enfraquecem. Os pais, preocupados com o futuro incerto da filha e movidos pela prudência, convenceram a filha a levar a sua vida, a parar de esperar.
E aconteceu com a jovem o que aconteceu com a  Fermina Daza que de longe e às escondidas namorava  Fiorentino Ariza, na estória de Gabriel García Márquez Amor nos tempos do cólera,  que  foi obrigada pelos pais a trocar seu modesto escriturário Fiorentino que ela amava  pelo sólido doutor Urbino, portador de futuros, que ela não amava.
Ela se casou. Ele se casou. E por mais de 50 anos não se viram. Quando ele tinha 76 anos, ficou viúvo. Quando ela tinha 76 anos e ele 79, ela ficou viúva. E ficou sabendo que ele, o amor da sua juventude estava vivo.  A curiosidade e a saudade foram fortes demais. Ela não resistiu. Foi à sua procura. Encontraram-se. E, de repente, eram de novo namorados adolescentes apaixonados. Resolveram casar-se. Os filhos protestaram.  Os filhos, todos os filhos, não suportam a idéia de que os velhos também amem. Especialmente se forem seus os pais...
Mas os dois velhos, já no fim da vida, sabendo que o tempo de amor que lhes restava era curto, não deram ouvidos aos filhos: casaram-se e mudaram-se para uma cidade do interior.
Viveram um ano de amor intenso que provocou metamorfoses: ele se descobriu poeta,  começou a escrever poesia. Além disso tirou seu violino de cima do guarda-roupas onde ficara por muitos anos porque a sua mulher não gostava de música de violino e passou a fazer parte de uma orquestra da cidade. Confessou a um sobrinho: “Se Deus me der dois anos de vida com esta mulher, minha vida terá valido a pena...”. Bem que Deus se esforçou.  Mas o corpo já estava cansado. Morreu de amor, como temia o Vinicius. Eu achei essa história tão comovente que a transformei num texto.
Passaram-se semanas da sua publicação. Eram dez horas da noite. Eu trabalhava no meu escritório. O telefone tocou. Voz aveludada de mulher do outro lado.
– É o professor Rubem Alves?
– Sim, respondi.
– Quero agradecer a belíssima crônica que o senhor escreveu com o título “ ...e os velhos se apaixonarão de novo”. O senhor já deve ter adivinhado quem está falando...
– Não, não adivinhei, respondi.  Aí ela se revelou:
– Sou a viúva.
Foi o início de uma deliciosa conversa de mais de 40 minutos, interurbano, em que ela contou detalhes que eu desconhecia. O medo que ela teve quando ele resolveu mandar consertar o violino! Ela temia que os seus dedos já estivessem duros demais...
Ah! Que metáfora fascinante para um psicanalista sensível. Sim, sim! Nem os violinos ficam velhos demais, nem os dedos ficam impotentes para produzir música! E aí foi contando, contando, revivendo, sorrindo, chorando – tanta alegria, tanta saudade, uma eternidade inteira num grão de areia... Ao terminar, ela fez esta confissão comovedora:
– Pois é, professor. Na idade da gente, a gente não mexe muito  as coisas de sexo. Nós vivíamos de ternura!
O que me fez lembrar a observação de Kundera sobre a necessidade “de salvar o amor da tolice da sexualidade.” A sexualidade pertence à ordem da biologia, o que nos aproxima dos animais. Mas o amor pertence à ordem da poesia.  Abelardo e Heloisa se amaram até a morte.


                                            AUTOR: RUBENS ALVES
 

naja
Enviado por naja em 16/07/2011
Código do texto: T3099005