VERANEIO ATLETICANA

Acreditam os fatalistas que caso alguém deva passar por determinado perrengue, não tem misericórdia, cedo ou tarde a fatura de cobrança chega e outro não paga em seu lugar – nem que a vaca tussa! Somente assim entendo e explico a aventura pouco venturosa, vivida por um conterrâneo, de quem por camaradagem não citarei o nome, identificando o infeliz apenas pelo apelido de infância: Breguete!

A Festa da Cerveja, em Divinópolis, é famosa no Brasil inteiro! Nascido e morando distante hora e pouco de viagem até a metrópole do centro-oeste mineiro, meu amigo juntou grana e foi realizar um sonho antigo - assistir ao show do seu ídolo Roberto Carlos, que animaria na Festa daquele ano. Foram tantas emoções, bicho! Mas que o Breguete, por birra do destino, não curtiu; muito embora para ficar na primeira fila, bem próximo do palco, tenha chegado lá de madrugada. O tempo passando, sol quente na moleira... não resistindo ele se refugiou num boteco das imediações, dali não mais arredando os pés, cismado com uma loura oxigenada – garçonete! Já de piscadelas, enquanto esperava a moça cumprir seu horário de trabalho, o Breguinha enxugou todas e mais algumas.

Não é preciso ser fatalista para adivinhar que uma estória assim iniciada, dificilmente terá final feliz! E o Breguete pediu outra loura – daquelas estupidamente geladas -, quando um negão de maus modos tomou-lhe o copo e bebeu tudo numa golada. Depois, mais abusado, avançou o bração comprido no rumo do prato de tira-gosto: carne cozida com mandioca. De tanque cheio, meu colega de folguedos infantis pegou a garrafa, ainda com metade do sagrado líquido, e desceu na caixa de chifres do moreno, que se esparramou no chão talqualzinho um saco de batatas – tingido de sangue.

Por sacanagem do destino, disfarçado entre os fregueses havia um detetive que ato-contínuo deu voz de prisão ao valente farasteiro: imediatamente trancafiado na traseira duma veraneio atleticana! Manja aqueles camburões da polícia, pintados de preto e branco? Ah, bom leitor, você decerto nunca viajou numa condução daquelas – nem queira! Menos ainda você, gentil leitora! A viatura não tem banco pra se sentar, alça onde se segurar... Quer dizer, arrancou que seja, o 'passageiro' começa a rolar e se ralar todo. Tal como se deu com o Breguete. Tão logo o carro se pôs em movimento, chamados pelo rádio os agentes da lei atravessaram a cidade cumprindo nova ocorrência.

Finalmente na delegacia, quase em carne viva, meu conterrâneo foi trancado na cela com um branquelão aloprado, que lhe garantia ser Anjo do Senhor, ali estando para aliviar suas penas: “– Não desespera, filho. Aleluia! Amém!” Até que na troca de plantão, por média do destino, um nosso antigo colega de escola assumiu a carceragem, reconhecendo o Breguete. Lido o B.O. ele tratou de salvar-lhe a pele, sem economizar no conselho: “– Cacete, Breguinha, você se ferrou! O sujeito da garrafada é o maior traficante de Divinópolis. Olha, qualquer coisa fica sendo o malucão aí... Eu esqueço a chave na fechadura e entro no banheiro. Você aproveita e...”

O tal chefão do tráfico não passava de um punguista: só que o Breguete não sabia. Ainda zonzo pela cachaçada, quando pôde o fujão se escafedeu, indo parar na rodoviária. No primeiro ônibus com a porta aberta, ele caiu dentro. Apesar da figura lastimável, o motorista não criou caso. Quando o trocador veio conferir a passagem, nem terremoto acordaria meu antigo colega! E assim foi o percurso todo. Ao final do trajeto, despertado, o Breguete catimbou: "– Até que enfim esta jardineira chegou em Bom Despacho!" Ao que o trocador rebateu: "– Ô loco, meu! A gente estamos em São Paulo!" Sem um puto no bolso o Breguinha lavou ônibus para a empresa, até pagar as duas passagens: ida e volta! Fatalidade...

NOTA: Vai esta crônica para o Recantista J. Ferreira - divinopolitano por adoção e tempo de serviço!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 16/07/2011
Reeditado em 17/10/2011
Código do texto: T3099559