EVASÃO
Aqui eu sou quem eu sempre fui, num mundo que não é, por que não cabe gente como eu.
Sou um cavalheiro de cartola e terno, bengala e luvas, que anda num boulevard ao cair da tarde cumprimentando as belas damas que passam e os elegantes cavalheiros que ali se aglomeram para se unirem na mais fina cantoria de uma doce serenata. Um traz ali o violão, outro uma flauta, outro abre um papel dobradinho, foi ele quem compôs a canção e vai ensinar para nós todos.
Trata-se da linda moça que mora na casa defronte. O rapaz que compôs a música está enamorado dela.
Trata-se de mais uma canção que o espaço/tempo levou para o anonimato mas que certamente encantou o coração de alguém.
Aprendida a música, nós os maganões de uma São Paulo de paralelepípedos, lampiões de rua, trilhos de bondes e uma deliciosa garôa saímos da mesa do bar onde estávamos, atravessamos a rua, e debaixo da sacada da linda donzela principiamos a cantar a serenata. A garôa nos ensopava, a lua nos coroava, e a presença da moça por detrás da cortina de sêda abençoava nossa canção como anjo que era.
Um beijinho doce jogado ao ar em direção ao seu pretendente fez a todos nós realizados naquele momento e pudemos ir em paz e alegria sonharmos outras serenatas.