O  choque da música

 

                               Venho meditando sobre a música popular  de  hoje, no  Brasil.

                               Outro dia, na “Casa do Quibe”,  na minha cidade,  encontro-me com o médico Lamarca e sua filha adolescente.  Enquanto eu saboreava meu “hammus”, o Lamarca me diz que sua filha não sabe dançar, logo  confirmado por ela, com um largo sorriso. Lembrei-me que outras moças e rapazes que conheço também não sabem dançar. Quando vão a uma balada, como se diz atualmente, apenas sacodem o corpo, ao som de uma banda estridente.

                               Perguntei à filha do médico se ela conhecia bolero, mambo, rumba e outras músicas semelhantes. Ou pelo menos Jazz, ou blues.  A resposta foi negativa. Insisti na pergunta e ela me disse que chegou a ouvir um bolero e não gostou. Disse ainda que a geração dela, a atual, portanto, não sabe dançar. Muito surpreso, arrisquei mais uma pergunta: “ e você gosta do som dessas bandas atuais?” A resposta foi rápida e sincera: “adorava”.

                               A conversa com a moça parou por aí, tão estupefato que fiquei. Passei a conversar com o pai sobre uma reunião do Rotary, de onde ele é sócio.

                                Mas minha índole meditativa não me deixou em paz, sabedor de que as músicas que fizeram a minha cabeça desagradam completamente à nova geração. Devo dizer que não se trata de simples saudosismo. Mas sim de algo mais importante: o bom gosto!

                               Fiz logo a seguinte analogia: a   história da humanidade nos mostra claramente grandes avanços, tanto tecnológicos, como humanísticos. Mas esse avanço, que não é uniforme, sofre de vez em quando retrocessos e estagnações. É  um caminhar que  vai e vem, vamos dizer assim.  Por ventura, não estaríamos tendo algum retrocesso, exatamente no lado humano?  O historiador costuma pegar um detalhe da sociedade para apontar um determinado avanço ou retrocesso da sociedade. Vou explicar para o atônito leitor. Recordo-me que um historiador, cujo nome esqueci, quando da queda definitiva do Império Romano, apontou um flagrante que denunciava essa queda e a consequente invasão dos chamados  bárbaros. É um momento eletrizante!  Os bárbaros, passando por uma estrada, com destino a Roma, nem se dão conta de uma enorme  estátua de mármore carrara, representando uma das deusas dos romanos, esfacelada no chão, partida que estava em várias partes. Para o historiador, aquela estátua simbolizava o exato momento do fim de uma era,  do grande Império Romano.

                               Gosto dos detalhes significativos, dos sintomas. Essa falta de gosto pela boa música. Essa música gritada, sem  poesia, sem nexo. Os jovens pulando sem a menor graça. Enfim, o ruído da música de hoje,  esse momento que todos presenciamos não é um sinal evidente de um retrocesso  na qualidade, no bom gosto ?   

                               Conhecemos a doença pelos sintomas.

                               A  nossa ânsia natural é a  conquista do belo, do bom, do sublime, através da  arte, criada pelo homem desde a aurora dos tempos.

                               As atuais manifestações musicais que aparecem na mídia não mostram emoção genuína. O ritmo e a harmonia foram deixados de lado.  Estão preocupados apenas em produzir sons caóticos.  Quando  conseguimos  fazer uma verdadeira  obra de arte logo sentimos a sua beleza, a surpresa gostosa, o encantamento. Nosso espírito se eleva.

                               Quando escrevemos, colocando no papel as questões existenciais, o que queremos é o entendimento, o  conhecimento. Queremos avançar, surpreender o outro com nossas emoções, mesmo que em algum momento ainda estejam em desarmonia. Mas a finalidade é atingir o equilíbrio, a tão sonhada harmonia.

                                Na música atual, que fere nossa sensibilidade, que é feia e pobre, fica a pergunta final: o que estamos vendo e ouvindo nos inspira,  é prazeroso?  Há melodia nesta vida musical?   Se a resposta for negativa, com certeza, estamos vivendo uma grande regressão.