Carta para Marilu

CARTA PARA MARILU

Querida Marilu,

Hoje acordei com o coração aberto. Cheio de amor. Tentei reparti-lo com meus amigos. Liguei para a Claudinha. Tinha saído para o trabalho. Tentei o André, estava no trânsito não podia falar. Pensei na Tetê, informaram-me que estava na hidroginástica. O Samuel ainda estava dormindo. Que preguiçoso! A Marilu não sei onde anda. A caixa postal avisa: deixe sua mensagem. Resta-me o computador. Os amigos virtuais. Fui no “bol”, no “zip”, no “yahoo”, no “uol” e no “hotmail”. Teclei com a “Saradinha”, com o “homem sozinho” e com o “Moreno do Rio”. Todos sem rostos, sem caras, sem olho no olho. Senti falta do verdadeiro, do real, do corpo, da alma, da ética. Nick, fantasias, mentiras e indiscrições fazem parte do mundo virtual. Saí do chat, abri a página principal de alguns sites. Recebi informação do tempo, do valor do dólar, de política, de economia. Mas ninguém suspirou ninguém se emocionou ao me passar notícias trágicas, cruéis e escandalosas. Chega!

Volto ao tradicional. Papel e “bic”. A carta. E aqui estou eu a lhe escrever Marilu. Sinto-me mais perto de alguém verdadeiro embora não possa me responder em tempo real. A missiva pode-se ler e reler. Guardá-la o quanto tempo quiser sem perigo de ser deletada. E pode você pode até senti o meu perfume impregnando no papel. Senti minhas emoções na letra ora tremula, ora forte e precisa, ora insegura ora decidida. A grafoscopia está caindo da moda. Poucos sabem ler as letras. Tudo é digital, impresso. Tudo hoje é perto, não existem distâncias. Aeronaves rápidas e modernas, tecnologia avançada, mundo globalizado. Na tv não se sabe se os repórteres são verdadeiros ou virtuais. Nem sei mesmo como viviam nossos avós sem o conforto da modernidade. Minha avó não estaria ociosa como estou nessa manhã. Coitada! Amanhecia esfregando uma penca de roupa. Minha máquina de lavar fez tudo isso para mim em minutos. E o microondas preparou minha comida rapidinho. De onde estou sentada lhe escrevendo apertei o controle e liguei a tv. Não precisa mais o senta, levanta para mudar de canal. Coisa chata mesmo era ter que fechar porta e vidros de carro e abrir portão de garagem. Hoje tudo é automático. A geladeira não precisa mais ser descongelada e assim a gente ganha tempo para passear, curtir, e conversar com os amigos. Pena que se tem tempo para passear, mas não se pode passear. Temos medo dos assaltos e malfeitores que circulam em todos os cantos. Pena que os amigos estão envolvidos em outras ocupações. Ninguém sobe, mas escadas por outro lado precisa-se ir para academia, aos nutricionistas e aos psicólogos para livrar-se do stress. Por isso mesmo não encontro ninguém em casa. O sol está maravilhoso, mas sozinho. Ninguém tem tempo de aproveitar seus saudáveis raios nesse começo de manhã. Novas ocupações surgiram.

Espere um pouco Marilu. Vou atender ao telefone.

- Alô.

- Sou eu, a Marilu.

- Menina, já te liguei hoje.

- Vi sua ligação e estou retornando.

- Que tal darmos uma chegadinha até a praia Marilu?

- Ótimo, passo aí em alguns minutos. Tchau.

Ufa!...Finalmente, alguém de carne e osso. Gosto do meu computador, da máquina de lavar roupa, do microondas, do elevador, da tecnologia, da globalização da virtualidade, mas gosto mesmo é de gente. Do real, do presencial.

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 06/12/2006
Reeditado em 12/06/2020
Código do texto: T310650
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