Sobre Joelhos

Aqui vão algumas dicas para quem quiser operar os joelhos.

Em primeiro lugar há que se inflamar algum dos meniscos. Para fazer isso é bastante simples: segundo o médico João Pozzi, o candidato que tiver mais de quarenta anos, poderá praticar o agachamento, ficar de cócoras, apanhar algo no chão sentando-se sobre os calcanhares. Tomar chimarrão como os índios, de cócoras, que faz muito bem para os intestinos, pode ser uma alternativa bastante agradável e salutar – o chamado “ir aos pés”. Instalar banheiro ditos “turcos” é certeiro também. Apanhar os CDs na prateleira debaixo da estante, ficando um tempo agachado a escolher as músicas é o meu método preferido, melômano que sou. Depois dos quarenta, os meniscos ficam frágeis a essas ações e podem inflamar com facilidade.

Uma outra forma bem esportiva é ir para academia e utilizar com bastante freqüência aquele aparelho onde se põem pesos no peito dos pés para levantar e ficar com as coxas musculosas rapidamente. Diz o médico que é um método muito eficiente. Existem outras formas de conseguir o intento pelos esportes, mas não sou muito versado nelas. Aparentemente o futebol tem bastante eficácia, haja vista a quantidade de jogadores que passam pela cirurgia.

Uma vez estourados os meniscos, o candidato pode curtir a dor nos joelhos por quanto tempo quiser. Eu, por exemplo, curti por quatro ou cinco anos. O resultado pode ser bastante apreciado ao subir e descer escadas ou até mesmo num trivial caminhar pelas ruas, depois de uns bons anos. Quando se vai ao médico, para verificar a dor, ele nos torce as pernas, os pés, até que o candidato sinta profundamente onde está doendo mesmo. Depois manda fazer uma ressonância magnética para confirmar. Se o candidato resolver investigar uma segunda opinião, o novo médico vai torcer-lhe as pernas até ver a dor apontar naquele lugar fatal. Depois vai olhar a ressonância magnética para confirmar. É bem divertido.

A ressonância magnética de joelho é um caso a parte. Entra-se num tubo futurista onde tem uma mira de joelho. Colocam essa mira sobre o joelho doente e um aparelho faz um barulho infernal e ensurdecedor - amenizado por protetores de borracha que nos enfiam nos nossos ouvidos - que fica fotografando o joelho em fatias. A demora é infinita. Não dá para ler revistas.

Diagnosticada a necessidade de cirurgia, marca-se uma data com o médico. Fui informado que o médico João Pozzi, de Porto Alegre era um especialista. Quando fui falar com ele, percebi que sabia o que estava dizendo. Com segurança e bom humor.

Até a data da cirurgia bate uma aflição: e se eu for alérgico ao anestésico? Fui tirar a dúvida com a minha médica preferida. Ela respondeu que ninguém sabe se é alérgico ao anestésico. Não há como saber de antemão. Mas, um bom hospital tem um kit emergência para choques anafiláticos. Ela mesma já tinha tido um desses choques. Ah, bom! Então posso dormir tranqüilo...

Hospitalizado, o candidato pode optar pela cirurgia onde uma câmera de vídeo é enfiada joelho adentro. Até pode optar por levar uma fita VHS para gravar a cirurgia e rever com a família ou durante um jantar com os amigos. O que é a tecnologia! Eu preferi não gravar, mas fiquei vendo tudo pela televisão. Meu joelho esteve na Rede Globo! Antes de ir para a mesa de operação, o candidato fica pelado, com aqueles aventais que deixam a bunda de fora, numa sala de espera, com outros pacientes, alguns impacientes, rezando, fazendo ioga, reiqui, apavorados. Um rapaz puxou assunto comigo, o Tiago. Trocamos informações sobre onde iam nos cortar. A moça do lado fechou os olhos e rezou ainda mais.

A cirurgia retira pedaços do menisco com uma ferramenta. Na TV os pedaços parecem flocos de neve. O médico fica batendo papo com o sujeito em decúbito dorsal, através de um pano e explica tudo o que se passa.

O chato é a recuperação. Além da aflição de querer mexer as pernas e não poder, a anestesia peridural afeta “as partes”, os genitais, os rins. De repente, para os homens, um choque: não há mais nada lá embaixo! Não reconhecem mais aquele velho amigo de tantas jornadas. A enfermeira informa – santa contradição – que o efeito da anestesia só passa quando se urinar, Como urinar pelo que já não existe? Como urinar sentado, com a próstata comprimida pelo colchão? Aí vem uma ameaça: se não urinar, vai ter que colocar uma sonda... Aí, meu Deus! Valei-me oh santo das urinas trancadas! De repente, por desespero e criatividade, descobre-se que um esforço daqueles de soltar gases (perdão) faz com que a urina jorre no chamado “papagaio”. Alívio! Livre da sonda... Então, o candidato começa e se sentir íntegro outra vez. Adeus sentimento de castração! Apenas um aviso ao utilizar o diabo do “papagaio”: se a inclinação não for a correta vai molhar os lençóis. Aí vai ter uma operação de guerra para trocar a roupa de cama. E ainda o infeliz desastrado vai ter que ouvir piadinhas da enfermeira, sobre urinar na cama. Um amigo me contou que com ele não houve necessidade de esforço, ele foi direto para a última parte do processo, sem “papagaio”. Já imagino as piadinhas nesse caso.

De resto, tudo termina bem. No dia seguinte, depois da fisioterapia, pode-se ir passear, ir ao cinema, comer sushi, ir no Koo Pee Pee, ver televisão, comer berinjela da Gislaine, encontrar o Serginho, comer frutos do mar etc. Ficam de lembrança, dois furinhos no joelho.

No entanto, confesso que sinto saudades da dorzinha de descer escada...