Em memória de Rubem Braga

Pois era dia de semana, e se duvidar era segunda-feira. Eu morava de favor na casa de Dom Canuto, longe, longe, lá no P Sul. Eu, que não bebo, havia tomado cerveja com ele no Venâncio 2000 e depois encontramos Isadora. Fomos ao Parque da Cidade, porque era perto e estava próximo da hora do pôr-do-sol – era fevereiro e o horário de verão fazia ele acontecer mais tarde. Estávamos bem dispostos e falávamos coisas divertidas. Eu estava em paz com Isadora e andávamos de mãos dadas. Chegamos ao Parque e sentamos em bancos que ficavam próximos ao lago. E lá continuamos conversando coisas sem grande importância, enquanto o sol se punha.

Depois de um tempo, Dom Canuto se levantou, sob um pretexto qualquer, e aproximou-se do lago. Sentou-se na beira e lá ficou, com o olhar perdido no horizonte –coisa que caia bem a um poeta como ele. Eu, que, embora cronista, não sou nada bobo, aproveitei o momento a sós para redobrar as carícias em Isadora. E assim ficamos, até a hora em que achamos que a solidão de Dom Canuto já se prolongava demais. Caminhamos, então, também nós até a beira do lago, onde sentamos em sua companhia.

Logo se percebeu que Dom Canuto poetava. Do contrário, não diria coisas assim: “Estamos aqui por causa do Rubem Braga”. Simbolicamente, era verdade. Eu havia conhecido Dom Canuto porque tanto ele como eu julgávamos ser capazes de reescrever tudo aquilo que um dia o Braga produziu – eu mais do que ele. Pois algum dia um de nós viu as crônicas do outro, gostou e puxou conversa. Já Isadora, que não conhecia Dom Canuto, fazia seu trabalho de conclusão de curso sobre o Braga e procurava outras pessoas que também tivessem tentado transformar o escritor em coisas científicas. Foi assim que ela me encontrou e começamos a conversar coisas acadêmicas, até o dia em que resolvemos conversar coisas de amor. E assim, por causa de Rubem Braga, lá estávamos todos nós no Parque da Cidade, vendo anoitecer e conversando coisas agradáveis.

Eu, que gosto de genealogias, acho que estávamos lá, entre outras coisas, por causa do pai do Machado de Assis. Foi ele quem comprou as revistas francesas que permitiram que Machado tivesse uma cultura maior e escrevesse o que escreveu, coisa que influenciou o Rubem Braga e, aí sim, chegou até nós. Mas existem outros ramos, como o do Manuel Bandeira, e eu não sei o que fez com que ele escrevesse. Poderíamos ir recuando atrás das motivações de cada um, e encontraríamos uma porção de acasos, até a hora em que chegaríamos ao próprio Deus, única explicação possível para estarmos ali.

Is this an elephant? Alguém cita aquela crônica deliciosa do Braga. Um elefante sem tromba ainda é um elefante – e ainda que morra diante da brutal operação, continua sendo um elefante. Is it a handkerchief? Repugnava-me que aquilo ou qualquer outra coisa ao meu redor pudesse ser um handkerchief. E nós ríamos e nos divertíamos. Existe gente que diz que a crônica não sobrevive muito tempo. Mas lá estávamos nós, citando um texto da década de 40, lembrando de um escritor morto há 20 anos, e passando bons momentos por causa disso, enquanto anoitecia em Brasília. Eu, Dom Canuto e Isadora.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 22/07/2011
Reeditado em 19/08/2011
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