FALAR  ILIMITADO

          Antigamente, falar sozinho era sintoma de loucura. Quando uma pessoa saía pela rua falando, rindo e gesticulando sozinha, podia tratar que era loucura iminente. Se jogasse pedras, então, só internando no “Raul Soares”. 
          Hoje, em meio a tanta tecnologia, acho que as pessoas estão ficando malucas: andam quase correndo pelas ruas, com uns aparelhinhos grudados nos ouvidos, falando, gesticulando, discutindo, numa verdadeira pandemia modernista. 
          Certo dia, ainda não habituado a este falar sozinho, eu me encontrava dentro de um elevador, quando entrou um rapaz e, frente a frente comigo, olhando na minha direção, disse: 
          - Bom dia, como vai! Tudo bem? 
          Ingenuamente, respondi com toda a educação que me veio do berço, ou melhor, do balaio:
          - Bom dia, tudo bem. E você? 
          Ele simplesmente virou as costas e continuou falando: 
          - ... mas eu já falei pra senhora que o problema não é comigo, eu sou apenas um empregado ... blá, blá, blá, blá, blá, blá ...
          Botei o queixo no chão e incrédulo pensei (ainda bem que não falei): “ele não estava falando comigo!”... Felizmente, o elevador estava cheio, acho que ninguém percebeu o mico ou todos fizeram vistas grossas. O rapaz continuou falando, discutindo, gesticulando, saiu do elevador ainda falando. Aí, fiquei cá matutando com meus botões: “tá todo mundo é louco nesta cidade maluca, só tem doido!”

          Dias depois, estava eu novamente num elevador, desta feita sozinho, quando entrou uma senhora um pouco mais velha e foi logo dizendo: 
          - Bom dia, tudo bem com o senhor? 
          Mais experiente nesta coisa de falar sozinho, não me atrevi a levantar os olhos do chão, continuei da mesma maneira em que estava, absorto em pensamentos, quando ela novamente falou cheia de razão:
          - Escuta aqui, o senhor é surdo ou é sem educação mesmo?
Tomado pelo susto e caindo na real, perguntei desconfiado: 
          - A senhora está falando é comigo? Não é com o celular?
Ela me encarou bem e disparou:
          - O senhor tá vendo mais alguém neste elevador? Tá vendo algum celular em minhas mãos? Além de surdo e sem educação é também cego e maluco! Tá todo mundo é doido nesta cidade maluca, só tem doido! Eu vou é descer desse trem, antes que chegue outro!

          Desta vez não botei só o queixo no chão, botei foi a cara toda. Fiquei atônito, aturdido. Perdi até o andar onde eu ia descer. 
          É o efeito da modernidade! Quem sabe um dia eu possa me acostumar e até comprar um celular e sair por aí falando ... ilimitadamente.