República Sulista

Estiveram aqui em Brasília minhas primas, acompanhadas dos seus respectivos. É gente branca que poderia muito bem passar por europeu ou norte-americano. Foi, seguramente, a maior concentração de são-bentenses por metro quadrado na história da cidade. E penso que saíram com imagem boa de Brasília – ainda que eu não tenha feito muito esforço para isso. Na verdade, sou um péssimo guia turístico, e por dois motivos: primeiro que eu quase não saio de casa, e portanto não tenho muitos lugares a indicar; segundo que costumo não esconder aquilo que existe de ruim na cidade. Pois ainda assim acharam a cidade melhor do que imaginavam. Pensaram que encontrariam mais mendigos por aqui. Comentei então da existência do Setor Mendigos, na Rodoviária do Plano Piloto – mas calei sobre o aumento da mendicância nos nobres condomínios do Sudoeste.

E durante boa parte do dia estive com eles, entre pontos turísticos, táxis e shoppings centers, e não faltou até mesmo a tradicional discussão sobre sotaques, sem que ninguém tenha descoberto qual de nós é que falava de forma realmente cantada. Fiquei sabendo apenas que eu, um legítimo catarinense da Alemanha, havia enfim incorporado o sotaque brasiliense, seja lá qual for ele. E aproveitei o dia para conhecer mais Brasília, porque normalmente eu estou ocupado demais tentando me manter nela.

Mas agora eles voltaram para o hotel, e devem estar dormindo, descansando da caminhada que fizeram por toda a Esplanada. Também eu estou de volta ao meu pequeno e solitário hotel particular. Sinto um vazio antecipado. É saudade do barulho, da excitação e da conversa, dos meus primos rindo e falando besteiras. Durante a noite, planejou-se, secretamente, o formato da grandiosa República dos Estados Sulinos, que viria a ser instalada após um bem-sucedido golpe de estado – e eu fui, modéstia à parte, nomeado o seu Ministro da Cultura. Sou um homem de dimensões continentais, e certamente não apoiaria República alguma. Mas aqui em casa a República não existe, e também não existem primos, nem barulho, nem excitação e nem conversa. Há apenas um cronista, que escreve sem saber direito para quê nem para quem – escreve e sente um vazio.

Estou em casa, e volto a pensar coisas da casa. A lâmpada do meu quarto está com algum defeito. Vou precisar falar com a dona do quarto. Amanhã é domingo, não é um dia bom para falar o que quer que seja. É preciso esquecer os primos, é preciso viver em Brasília, e conhecer os problemas que os turistas não conhecem.

Sobretudo, é preciso esquecer que se mora há muito tempo no famigerado Setor Solidão Sul. É preciso esquecer e, mais do que tudo, é preciso dormir.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 23/07/2011
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