Lápis

Ele olhou a mochila jogada no canto do quarto, com o caderno de brochadura dentro, mas faltava uma coisa, essencial, o lápis, havia acabado a uma semana e meia, a professora o fez voltar para casa, os três dias em que ele foi sem lápis para a escola, a pesar dele ter explicado que o pai só receberia no final do mês, e não tinha dinheiro agora para comprar o lápis, a mãe não fez muito, apenas disse que teria mais uma boca para alimentar durante o dia, e para o marido arranjar logo jeito de comprar o lápis porque pão todo dia para o menino sairia mais caro, todos os dias cedo ele tinha direito a meio pão amanhecido, o pai ia trabalhar, precisava se alimentar melhor, então ficava com os dois pães que a mãe comprava logo cedo, e a mãe tomava sé o café preto, o leite ficava para o menino, ela sabia, meio pão só não sustenta a criança, mas também não podia dar café para o menino beber, senão ficaria pulando o resto do dia, e ela tinha mais o que fazer além de ficar de olho no menino que deveria estar na escola.

Todos os dias, logo após o café, ou leite para quem preferir, o menino pegava o caderno e olhava para a própria caligrafia desajeitada, gostava de ver aquilo, lia com dificuldade as próprias letras mal escritas em grafite claro, a casa não tinha luz, apenas na cozinha, que havia uma pequena lâmpada de onde vinha energia puxada da rua, mas ele não lia lá, preferia que a mãe não visse, então trancava a cortina rasgada que separava o quarto onde ele a mãe e o pai, e futuramente o ser que ocupava a barriga da mãe, dormiam, a janela dava para a casa do vinzinho, e o muro era perto, então não entrava luz por ali, e ele forçava os olhos para enxergar qualquer coisa que estivesse escrito no caderno, por vezes não entendia algumas palavras, e o resto do texto ficava sem sentido, mas na via problemas naquilo. Não podia brincar com os outros meninos, a mãe dizia que era perigoso, o rio que ficava em frente de casa era sujo, cheio de lixo, isso porque era um córrego onde caia o esgoto de todas as casas, o menino vai pegar doença, e não tem dinheiro para remédios, ela falava quando o pai indagava o porquê do menino não brincar lá fora, como os outros.

Mas um dia o menino tomou café, não quis ler o caderno velho, queria ir para a escola, mesmo sem lápis ainda, e ele gritava histérico, queria ir para a escola, a mãe gritou, disse para ele deixá-la em paz, pois que vá brincar no rio garoto, ela disse irritada, tinha roupa para lavar, só não vai muito na margem, vai cair no barro e pegar doença. O menino foi, brincou o dia inteiro com os outros meninos da vila, brincaram de pega-pega, pique esconde, e policia e ladrão, até verem uma bola, ela flutuava na pouca água que tinha bem ao meio do rio, que estava mais para córrego, ou lata de lixo, apostaram quem tinha que ir pegar a bola, e ele acabou ganhando, não teve medo de doença, apenas desceu a margem e colocou os pés descalço na lama, pegou a bola e voltou com ela embaixo dos braços, pelos outros foi tratado como herói, jogaram a bola, que agora era dele, o resto do dia, e ele entrou em casa naquele dia com um sorriso grande.

Mas logo as coisas mudaram, o sorriso sumiu e a dor surgiu, ele ficou amarelo, não conseguia levantar, e tinha pouca vontade de comer, e dinheiro para remédio não tinha, ele teria que esperar até o dia do pagamento do pai, faltava apenas duas semanas, e ele resistia forte, uma semana e ele ainda permanecia ali, apesar dos olhos fundos a respiração permanecia, e finalmente, o pai recebera, passou na farmácia e disse os sintomas ao farmacêutico, que deu um xarope, disse que curava qualquer coisa, passou também na mercearia e comprou três lápis, para caso um acabasse o menino tivesse mais dois. O pai foi para casa realizado, o menino ficaria bem, se curaria logo e poderia ir para a escola, porém quando chegou em casa encontrou a mulher chorando, e quando foi ao quarto encontrou o menino com a bola segura, embaixo dos braços, e o caderno embaixo da outra mão, mas mesmo agora tendo bola, lápis e remédio o menino não volto para a escola, nem jogou bola, muito menos tomou leite ou levantou da cama.

Amanda França
Enviado por Amanda França em 23/07/2011
Código do texto: T3113741
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