Made in Walt Taiwan dos Santos

Um dia desse eu estava dentro da padaria tomando um cappuccino com uma grande amiga, quando bem no meio da nossa conversa eu fui interrompido por ela.

- Nossa! Que desenho bonito que você fez.

Confesso que eu me assustei com o tal elogio, pois os meus desenhos não passavam de garranchos, riscos desencontrados sem a menor possibilidade de encontro com coisa alguma que não fosse para expressar uma falsa sensação de complemento do que estávamos conversando.

- Ah, fala sério Dri, você só pode está brincando comigo, primeiro dizer que esses garranchos são bonitos e por fim chama-los de desenhos..., só pode ser mesmo Professora de Arte, não tem jeito...

Mas ela tanto insistiu, que desistiu em continuar me elogiando ao perceber que o meu entendimento seguia fielmente os traços aprendidos por discípulos de Pinochet, enquanto ela, tentava reorganizar os meus velhos pensamentos a partir da liberdade de Piaget, infelizmente já estava contaminado e como consequência, pelo menos naquele dia , eu não consegui entender o que ela tinha pra me dizer...

Confesso a cada um de vocês que eu nem lembro mais a respeito do que falávamos, visto que esse fato já tem um pouquinho de tempo, mas hoje eu resolvi escrever sobre ele, não por falta de assunto, mas só agora eu consegui compreender a admiração dela pelos meus rabiscos do passado..., é claro que primeiramente eu quero me desculpar diante dela e de todos vocês, por ter deixado a minha prepotência confundir a inteligência feminina com pseudo-gostosura machista.

- Essa mulher está apaixonada por mim e por isso fica dizendo que o meu desenho está lindo... Imaginava eu.

Veja só! Como é que pode esse monte de bonequinho com cabeça e perna fina, com braços e troncos em desalinho, alguns até sem boca e com apenas um orelha, ser chamado de desenho..., que ofensa! Logo eu, que o único desenho que fazia razoalvemente ruim, era um modelo de casa que eu nunca vi na vida real, mas, como toda vez que eu desenhava a professora amava, elogiava é me parabenizava, eu seguia olhando e copiando o modelo do desenho que ela colara no mural da nossa sala de aula...

É claro que vocês devem está se perguntando, então porque depois de tanto tempo você resolveu tocar nesse assunto novamente?

- Não, não estão se perguntando?

Não tem problema, eu conto assim mesmo, é que recentemente ela foi dar uma palestra para as Professoras do segmento de educação infantil, assunto que enfocava o desenho, os primeiros traços de uma criança, seus manifestos e a importância da educadora em não impor "ideias", e sim, coordenar a criatividade de cada criança, baseada no mundo que a criança deseja se inserir e jamais no mundo que o educador deseja inseri-la, pra Deus, somos sua semelhança e como tal, deveríamos ser tratados como originais e não como cópias...

Foi preciso eu ter vivido todos esses anos, para dar razões ao tudo do nada que eu entendia do surrealismo do Salvador Dali, dos desenhos do Pançudo , Maurice, Frida e os rostos belíssimos de mulheres pintados pelo meu preferido, Modigliani.

Não que eu entenda alguma coisa de arte, mas o que me despertou a atenção foi que, ao conversarmos sobre o tema da apresentação que ela fez, eu pude perceber, o quanto somos pessimamente influenciados, só depois de ler o conteúdo da apresentação foi possível entender o significado do elogio que ela fizera aos meus desenhos na época... Os elogios dela estavam diretamente relacionado ao original, ao único, sem comparações, pois quando se trata de criatividade, Deus é a origem, nós somos o meio, e o resultado final dessa obra, somente irá aparecer quando finalmente resolverem deixar a liberdade engatinhar...

Nada contra seres limitados, nada contra seres mal formados, nada contra pessoas que não engatinham, tudo contra educadores mal remunerados, nada contra seres que não sonham mais, mas a grande lição e entendimento que eu quero compartilhar essa noite, foi ter percebido que uma parte do resultado da falta de criação de uma Nação, está retratada na procedência dos produtos que já estão à venda em todas as lojas do nosso País, outras escondem-se por detrás das barracas dos "Alunos Camelôs Alunos", mas triste mesmo, é saber que somos um povo que vive velando vitrines de livrarias, e na hora que decidimos entrar, já está na hora de sair, alguém precisa ir "trabalhar".

Jaz aqui os meus desenhos.

"E ver que toda essa, engrenagem

Já sente a ferrugem, lhe comer.

Eh, ôô, vida de gado

Povo marcado, ê Povo feliz”

Zé Ramalho