Só boas notícias

Já passava das seis da tarde quando comprei o jornal do dia. Disso se percebe que, houvesse alguma coisa urgente para este sábado, eu certamente seria o último a saber. Mas foi uma ocasião especial. Apesar de jornalista, eu não costumo ler jornal. No máximo, costumo pegar esses jornais gratuitos que me oferecem na rua, o Alô Brasília e o Destak. Leio as manchetes, alguns pouco leads, e em seguida largo o jornal pelo caminho. Mas hoje eu estava numa banca de revistas e, surpreendentemente, comprei o Jornal de Brasília.

Foi a capa que me chamou a atenção. Logo acima da manchete principal, que noticiava a abertura de 13 mil vagas para concursos no Distrito Federal, havia um aviso bem grande, escrito em verde-esperança: “SÓ BOAS NOTÍCIAS”. Reparei então nas outras manchetes da capa. Calçadas estavam sendo reformadas. O Tribunal de Justiça do DF ganhava reforços e prometia acelerar os processos. Brazlândia estava ganhando um pacote de obras. Um trabalhador rural que era surdo recebeu um implante e voltou a ouvir. E a Seleção Brasileira era pura euforia às vésperas da estreia na Copa América.

Ora, vendo uma capa dessas, eu não poderia fazer outra coisa senão comprar o jornal e ver do que se tratava. Sou, afinal, uma pessoa que não vê mal nenhum nas boas notícias. E que, como aquele personagem da crônica de Rubem Braga, também faria muito gosto se os jornais, apenas para variar um pouco, passassem a noticiar uma coisa tão banal e que ninguém se lembra como a vida. Comprei, pois, o Jornal de Brasília.

No Editorial, sou lembrado que poucas vezes as boas notícias ganham destaque nos espaços nobre do jornal – como a capa. E que estamos tão preocupados com questões maiores e essenciais que as pequenas coisas ficam em segundo plano. Gostei. Achei uma iniciativa válida – como todas essas que não costumam funcionar. É como quando se faz o Dia Mundial sem Carro, e então todos se estressam e não conseguem chegar ao trabalho. Assim é o Dia de Boas Notícias. Interessante por hoje, e depois se volta ao normal.

Apesar disso, vejo com simpatia a atitude do jornal. Mas é bom lembrar que é apenas a capa está livre das más notícias. Na página 2, que é a das cartas, escorre ódio contra o descaso do governo, a política internacional do Brasil, a greve da saúde, a reforma tributária, as mudanças climáticas, os carros estacionados em lugar proibido. E, por todo o jornal, a maior parte das notícias são mesmo essas que estamos acostumados – as ruins. Ora, caso o Jornal de Brasília venha a repetir essa iniciativa eu já tenho a minha sugestão ao leitor: vá a banca e veja capa do jornal. Contemple as manchetes, saboreie cada palavra. Mas não queira saber mais. Absolutamente, resista à tentação de comprar o jornal. Porque, junto com ele, virá uma leva enorme de notícias que não te farão bem algum. Contente-se com a capa, e saia assobiando, feliz, porque no mundo ainda acontecem coisas boas.

E ao Jornal de Brasília, eu também daria algumas sugestões: façam colunas sobre a saudade, os fins-de-tarde, os pescadores, as melancolias. Até mesmo sobre as mulheres. Livrem-se das matérias frias. Façam textos mais simples. Acima de tudo, parem de imprimir a página política.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 27/07/2011
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