Sono

Os dias amanhecem sem que nos preocupemos com isso. O sol entrava pelas cortinas mal fechadas e o cansaço de nunca fazer esmagava-o sobre o lençol. Ele acordou às onze horas e viveu mais um dia. Logo, vieram chamá-lo para almoçar. Tratavam-no como uma criança, mas, na maior parte das vezes, ele não se importava. Ao meio dia, estava sentado, sem nenhum apetite, diante de um prato transbordando. Pressionado por uma voz invisível que lhe obrigava a comer, colocou a comida na boca e mastigou. Não era ruim, mas aquilo não lhe interessava, seu estômago reclamava, ainda estava dormindo. Às treze horas, ele já estava de volta ao seu quarto, finalmente estava de volta. Havia um barulho insuportável de pessoas vivendo. Por sorte, nada além do barulho entrava pelas janelas, até mesmo o sol havia desistido. Deitou-se olhando para o teto, enquanto seus pensamento inúteis se distraiam com alguma brincadeira desnecessária. Às quatorze horas, estava do mesmo jeito, como um defunto. Pensou sobre a imbecilidade de seu emprego, sobre a implicância de sua família e a antipatia de seus amigos. Às quinze horas, virou de bruços e meteu o nariz no travesseiro. Agora, sentia o peso de algum vazio sobre suas costas, já se tornara insuportável carregá-lo. Às dezesseis horas, teve fome. Mas a debilidade não lhe permitiu comer. O estômago reclamava, mas aquilo não seria o bastante para fazê-lo se levantar. Às dezessete horas, pensou em ler alguma coisa, no entanto não pôde despregar a cabeça do travesseiro. Às dezoito horas, ouviu alguma Ave Maria tocando em algum lugar. Ela vinha, provavelmente, de um intolerável carrinho de pipoca. Às dezenove, descobriu o quanto seus cabelos estavam sujos, que precisava cortar as unhas e que não havia tomado banho no dia anterior. Isso não importava mais, quase nada importava. Às vinte horas, chamaram-lhe para comer outra vez. Mal percebia seu corpo sentado diante da mesa e todo aquele ritual de mastigar e engolir, parecia-lhe perda de tempo. Às vinte e uma, voltou para o vazio aconchegante do quarto. Alguns carros faziam barulho na rua e ele tentava adivinhar o que as pessoas do mundo, do lado de fora, precisavam tanto fazer. Às vinte e duas, mergulhou ainda mais fundo na ociosidade. Vieram lhe dar boa noite e nem mesmo pôde sentir o beijo na testa. Às vinte e três horas, lembrou-se de algumas pessoas que conhecera. Uns amigos, uns colegas, uns desconhecidos. Uns beijos, uns sorrisos, umas despedidas. Era tudo tão distante, tão longe que não era mais capaz de acreditar que tudo aquilo realmente existiu. À meia noite, sentiu-se cansado, como se houvesse vivido 25 anos inteiros sem nenhum momento de tranquilidade. À uma hora, retomou seus pensamentos impotentes que não eram importantes nem para si mesmos. Às duas horas, estava perdido, tamanha a solidão ao seu redor. Um silêncio fúnebre. Olhou seus livros, suas fotos, ouviu uma ou duas músicas. Experimentou um pouco do mundo. Às três horas, ouviu os demônios. Disseram-lhe que era a horas deles e foi inevitável percebê-los devorando sua mente. Às quatro horas, adormeceu, estava exausto de tanto viver. Enquanto dormia não podia perceber as horas passarem nem o tempo se perder. Sonhando com isso, desejou dormir para sempre.

Fillipe Evangelista
Enviado por Fillipe Evangelista em 31/07/2011
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