Nosso Triste Mundo
 
                               Quando vi aquele pintor na televisão dizendo que não poderia viver sem a arte dele, achei estranho e não acreditei. Ele explicava que a mesmice da vida, a rotina, eram insuportáveis. A arte o salvava.  Quando aquele meu querido amigo me falou que se refugiava nos seus poemas e nas suas músicas para viver melhor, não acreditei. Quando meu velho pai ia trabalhar, se despedia de mim assim: “ meu filho, agora estou indo para o céu”. Também não entendia. Não que ele não gostasse de sua casa e da família. Gostava muito. Mas  o trabalho é que  salvava meu pai.
                               Começo a desconfiar que há algo muito errado na  terra dos homens.
                               Não!  Me recuso a escrever coisas tristes. Por esse caminho tudo piora e acho que os leitores amigos concordam comigo.
                               Quando a tecnologia e a ciência avançam espetacularmente, vemos o homem mais perdido que cego em tiroteio.
                               Espantei-me com o que li hoje no jornal. Aliás, vivo de espanto em espanto. Não sei como o coração aguenta!  A crônica é do  Jabor. Vou contar para os amigos. O  que ele viu na década de 50 eu vi em 1990. Exatamente a mesma coisa,  quarenta anos  depois. A minha interpretação é diferente da dele. Mas o absurdo é o mesmo.               
                               Diz  ele que morou na Flórida e que se lembra  de um episódio imperceptível, mas que o impressionou muito. Viajava ele num ônibus onde havia uma família branca em pé, mãe e duas filhas menores. O espanto dele foi que nem a mãe e nem as filhas olharam uma só vez para os passageiros. Paro por aqui com o Jabor. Daí em diante ele fala  do individualismo americano, citando Tocquevile: “ o individualismo é um sentimento que estimula cada cidadão a se afastar da massa de seus semelhantes e a se retirar para o isolamento com sua família e amigos; assim, cria uma pequena sociedade para seu uso próprio e abandona voluntariamente a grande sociedade que o envolve”.
                               Chego com meu amigo Vidal em Nova York, junho de 1990. Alegremente, fomos conhecer  a  famosa ilha de  Manhattan, 12 dias na capital do mundo. Agora o incrível: ficamos 12 dias “zanzando” a pé pelas ruas e avenidas de Nova York. Nenhum americano nos olhou nesses doze dias. Nenhum! Jamais mentiria para meus amigos. Acreditem, pelo amor de Deus. O que é que é isso?  Fiquei  impressionadíssimo, mas minha observação morreu comigo, um brasileiro anônimo.
                               Não disse ainda, mas digo agora, estou escrevendo e  ouvindo “Cucurrucucu Paloma” e de vez em quando mudo para “Siboney”, cantado por Pedro Vargas, o mexicano.   Exatamente,  a música latina me salvando. Gracias, gracias!
                               E sabem   quem   nos salvou  na terra do tio Sam?  Eu e meu amigo, cansados de procurar um lugar com comida que se pudesse comer e tomar aquele nosso cafezinho, achamos sem querer um pequenino restaurante de um cubano. Lá conhecemos o Don Ribas, que nos recebeu de braços abertos e, o melhor, nos olhando nos olhos. Que felicidade!
                               Não saímos mais do restaurante cubano. Tomei centenas de cafezinhos. Comíamos, dentre outras iguarias, um frango cubano delicioso.
                               E que intimidade boa: - Don Ribas, como estás hombre? – Estoy muy bien, trabajando como um general! E gargalhávamos gostosamente. Ficamos sabendo da vida dele. Prometo contar em outra crônica.
                               Tenho saudades do Don Ribas. Ah, tenho muita. Ele nos salvou,  nos devolveu a vida.
                               Não posso deixar de dizer que, no dia seguinte ao da nossa chegada, entramos num recinto que servia café. Veio   um copo enorme plástico com uma água lavada de café. Devolvemos o café. Naquele tempo eu fumava, e quando comecei a acender o cigarro, a velha senhora, que nos servia, deu um grito pavoroso, que me estremeci todo. Nem cheguei a acender o cigarro.  Na China Town, vi um chinês típico e logo apontei minha câmera de filmar para o cara, sabe como é, recordações de viagem. O cara deu um grito pior do que o da velha do café. Me estremeci  todo, novamente, e quase deixei cair a máquina. Agradeci muito por não ter sido agredido fisicamente. Por pouco...
                               No penúltimo dia, nossa pequena alegria. Encontramos um lugar onde se fazia feijão carioca. Nos regalamos!
                               Entramos invisíveis e saímos invisíveis nos EEUU. E termino, voltando à observação do Jabor. Para ele, está retornando com força total o fundamentalismo religioso na América. Para mim, que não tenho a experiência e visão política dele, ficou claro que o preconceito com relação aos outros povos que não eles,  continua firme e forte.
                                  Viva Don Ribas!