Você se lembra do Pirata do Espaço?

Em 1983 eu tinha 8 anos, morava na Rua Caeté, no Bairro São Francisco, e não perdia um único episódio do desenho japonês O Pirata do Espaço, que era exibido na extinta Rede Manchete, no programa “Clube da Criança” (apresentado pela Xuxa), sempre no período da tarde. Esse desenho marcou muito a minha infância. Eu até inventava histórias com os personagens e registrava tudo em cadernos, onde eu ilustrava as cenas e coloria os desenhos com muito capricho. Era muito legal.

Mas hoje eu vejo que aquele desenho não era apropriado para crianças. Era muito violento. Os vilões, em cada episódio, morriam queimados, eletrocutados ou esfaqueados, e sempre com muito sangue, gritos e desespero. As histórias eram carregadas de elementos trágicos: casal morre assassinado e filha carrega no coração um terrível desejo de vingança; jovem vai para o lado do mal e acaba sendo morto pelo próprio irmão; amigos de infância lutam até um matar o outro, etc. A violência era explícita: muitas mortes [as naves inimigas explodiam e os vilões apareciam em cena gritando enquanto eram consumidos pelo fogo]; soldados inimigos eram atingidos por raios que atravessavam seus peitos, fazendo espirrar sangue pra todo lado; crianças morriam assassinadas, outras perdiam seus pais de forma violenta, etc. [Por exemplo: no episódio “A morte bate em minha porta”, narra-se o drama do garoto Masato, que perde os pais num ataque inimigo e é contaminado pela radiação das armas, o que lhe causa uma doença degenerativa, que vai levá-lo à morte no mesmo episódio].

Criado em 1976, no Japão, com 36 episódios de 24 minutos, O Pirata do Espaço começou a ser exibido no Brasil em 1983, no programa da Xuxa. Suas histórias mostravam as batalhas travadas pelo Pirata do Espaço, uma nave-robô cheia de armas mortais, comandada por Rita (uma extraterrestre, filha do inventor do robô, que havia sido assassinado pelos seus inimigos) e por Joe (um piloto japonês), em defesa da Terra, que estava sendo invadida pelo Império Gailar. Esse império extraterrestre era comandado pelo terrível e impiedoso imperador Geldon, que mandava matar, a sangue frio, qualquer um que ameaçasse seus planos megalomaníacos de conquista e destruição. Em cada episódio, sempre no início, aparecia a incrível fortaleza voadora inimiga Gelmus, que lançava sobre o Japão uma nave-robô, comandada por um piloto que era a maldade em pessoa. Era quando entrava em ação o Pirata do Espaço, para defender os terráqueos dos terríveis extraterrestres.

Quem tem hoje 35 ou 36 anos deve se lembrar muito bem de O Pirata do Espaço. E eu pergunto a você, leitor nostálgico: Como podia ser permitida a exibição de um desenho daqueles em um programa chamado “Clube da Criança”, em pleno dia? As crianças adoravam, mas elas não sabiam que aquilo era prejudicial (ou não era?). Para mim não há dúvida: aquele desenho incitava a violência e abalava o psicológico da criança. E não era só o desenho. Lembro-me também de brinquedos violentos, como a metralhadora que lançava faíscas vermelhas quando a gente apertava o gatilho; os populares revolveres de espoleta; o kit policial, com cassetete, algemas e revolver, e muitos outros.

E hoje? Hoje, desenhos e brinquedos violentos são coisas do passado, fora de moda. Crianças e adolescentes do século XXI se abastecem de violência principalmente nos jogos de computador e na internet. Qualquer criança ou adolescente pode ter acesso a sites pornográficos, mas também a sites de violência explícita. E eles são muitos na rede.

Estou conectado num deles agora. É simplesmente horrível, assustador. Só para você ter uma ideia do conteúdo (repleto de fotos e vídeos de embrulhar o estômago), cito alguns links do site: “Mulher brutalmente assassinada enquanto dormia”; “Uma linda mulher morta”; “Assassinato em Itabuna”; “Suspeito de assassinato morre arrastado por caminhão”; “Assassinado com dez tiros em Itajuípe”; “Faces destruídas”; “Pênis carbonizado”; “Rego aberto (cuidado: vídeo chocante)”; “Pauladas e mais pauladas”; “Mulher atropelada”; “Morreu dentro de casa”; “Agricultor morre atropelado”; etc. E você pode entrar ainda nas seções especiais: Fotos de acidentes de trabalho, acidentes automobilísticos (com os corpos ainda quentes), autópsias, cirurgias, doenças, famosos mortos, mortes, tragédias; e vídeos de mortes, acidentes, autópsias e mutilações. E os carniceiros do site ainda colocam a seguinte informação: “Em relação aos acidentes registrados, a divulgação das imagens está baseada na lei 9503/97, do Código Nacional de Trânsito, artigos 6º, I e 14, IV, servindo como campanha de educação para o trânsito”. E, logo em seguida, como se adiantasse: “Site proibido para menores de 18 anos”.