GRUPO MUTANTES, "2001" E NÓS: PARCEIROS DO FUTURO NA "RELUZENTE GALÁXIA"

Todos que circulam aqui, neste universo estranho, buscam alguma forma de comunicação. Esta é uma possibilidade esquisita, onde os humanos ficam reduzidos a teclado e tela, na forma mais superficial de apresentação, mas com todas as suas idiossincrasias e vestígios desde a pré história, na forma de se expressarem neste "hospício" sensacional que é a internet.

Entretanto, um sensacional com ressalvas, digamos que mais no sentido de alcance e diversidade, de deslumbramento pelo novo, do que no de valor e amostra de evolução dos hominídeos primatas. Sobre os primatas nossos primos,temos somente um acidente da natureza a nosso favor. E por enquanto, o uso que fizemos dele deixa muito a desejar.

"Dei um grito no escuro

Sou parceiro do futuro

Na reluzente galáxia"

Em uma dezena de anos, o que significa um nada em termos de História, passamos de bichos com os pés cravados na terra, a bichos com os olhos cravados no espaço.

As possibilidades multiplicadas pela cibernética atingiram em cheio o universo humano construído sobre uma base de crenças em divindades e mundos melhores, uma sociedade primitiva ou quase isso, em muitos pontos do planeta, e o velho mundo pós guerra, ainda sob os vapores da tragédia e traumas recentes. Um mosaico de culturas sobre o qual desaba como chuva fluorescente a nova Era. Uma nova ordem que como diz a letra de "2001", transformará em agora o que era passado longínquo ou futuro imprevisível.

Uma nova ordem onde já se profetiza, no Brasil de 1968, a velocidade e artificialismo como características dos novos tempos. E onde os limites geográficos vão desparecendo sob a loucura da comunicação global.

"Nos braços de dois mil anos

Eu nasci sem ter idade

Sou casado, sou solteiro

Sou baiano e estrangeiro

Meu sangue é de gasolina

Correndo não tenho mágoa

Meu peito é de "sar" de fruta

Fervendo no copo d''''água"

É a era do cientificismo milagroso,lançando suas boas novas: descobertas salvadoras, orgulho das conquistas do espaço, curas sensacionais na medicina. Um ufanismo pelo progresso palpita por toda parte.

"A minha vida que grita

Emprenha e se reproduz

Na velocidade da luz

A cor do céu me compõe

O mar azul me dissolve

A equaçãu me propõe

Computador me resolve"

E eu sou essa passageira que já viajou por muitos trens da vida, desde o início dos anos cinquenta até agora. Sou uma cobaia dos tempos modernos e também uma privilegiada pelo conforto e facilidades que a teconologia vem proporcionando a uma parcela da população do planeta. Ao contrário de minha avó, uma dona de casa que tinha as mãos marcadas pelo trabalho pesado, posso me dar ao luxo de poupar minha pele usando máquinas, posso enfim, conhecer lugares viajando com uma despesa bem modesta, posso estar aqui a escrever para quem, no planeta, quiser ler.

Entretanto, muito pouco se fez pelos mais pobres que formam a maioria da população do mundo. Todo o avanço só fez rejeitar o velho e já um tanto desbotado amai-vos uns aos outros. Como diria Quino, pela voz da personagem Mafalda:" Ya qué amarnos los unos a los otros no resulta, quien sabe si no deveramos amarnos los otros a los unos?"

Certos valores, olhados de cima por uma elite de intelectuais pouco afeita ao convívio com os exercícios fraternos, são vistos como ultrapassados, ranço de uma cultura sem o brilho do saber cultivado em longos anos de estudo, graduações, doutorados. Essa nova classe dos que encontraram um novo deus pra cultuar nos frios labores do sagrado recinto das bibliotecas sofre, entretanto, da mesma miopia existencial e humanista dos povos de hoje. Dão excessivo valor à quantidade, em detrimento da qualidade. É uma tendência que se alastra como praga: o superficialismo.

Este sim, graças à necessidade de que tudo se faça rápido e com lucros fartos e imediatos, time is money, desabou sobre o cenário cultural e dos costumes e está liquidando com as exposições de arte, a literatura, o cinema, a música, de um lado, e com as relações humanas, de outro. Sobre a Bienal de São Paulo que está encerrando,falou Mino Carta:

"O tempo da Arte com A grande se fué. Agora é a bandalheira dos aproveitadores e dos idiotas, com o beneplácito dos pretensos críticos, tragicamente iletrados e incultos, para a alegria dos marchands idem, idem, com batatas. De resto, é de agora a cotação de fotos ampliadas em alto-contraste por Andy Warhol a 9 milhões de dólares cada."

Os tão falados meios de comunicação de massa, querem tudo pro consumo quase instantâneo, seja na cultura, seja nos laços que unem as pessoas.

"Amei a velocidade

Casei com sete planetas

Por filho, cor e espaço

Não me tenho nem me faço

A rota do ano-luz

Calculo dentro do passo

Minha dor é cicatriz

Minha morte não me quis"

O planeta tornou-se uma enorme tela onde se projetam realidades que têm o mesmo objetivo de entreter, fomentar ilusões e criar verdades convenientes, como o tinham os circos romanos. E da mesma forma como então, não restou muito espaço, neste opulento mausoléu de possibilidades, para quem quiser ter sua privacidade razoavelmente respeitada e encontrar um caminho particular e criativo a seguir. Entretanto, restam, como sempre, algumas vozes que se erguem contra a truculência limitadora. A voz dos poetas e dos bêhados ainda grita por uma existência diferente!

Então, salve o geral, o geraldão, a geral dos estádios, a geral das sociedades, onde tudo é mais colorido e intenso, bem mais próximo do humanismo que existe sob a pele de cada indivíduo, esperando oportunidade pra se manifestar. Onde a criatura-bicho-pessoa pode ainda, em momentos de euforia e suor, fugir, mesmo por momentos, da tirania pasteurizada e dos modelos prêt-à-porter de conduta institucionalizada.

Salve a loucura, os loucos, os desvairados, os que não se conformam, os que ainda conseguem fugir à regra pelo simples prazer de existir, os que ainda conseguem exaltar a diversidade e acampar no insensato pra não morrer antes da hora!...

Porque passar pela existência sem transgredir, sem pelo menos tentar cortar os cordões que prendem a marionete, sem provar o gosto da irreverência, sem ouvir a primitiva voz dos ancestrais que clama por verter seu sangue, será uma melancólica anti-vida, uma triste coreografia executada por criaturas mecânicas. E 2001, de Tom Zé, em 1968, desenhou fantasticamente a preplexidade do homem levado pelo vendaval futurístico, como folha na ventania.

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 11/12/2006
Reeditado em 08/06/2009
Código do texto: T315591
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