Sobre como é fácil condenar os outros

É incrível a facilidade com que condenamos os outros. Se a pessoa te lança um olhar meio atravessado, te repreende ou te trata de uma forma arrogante e mal educada, quase sempre ela se transforma, para você, a partir desse dia, em um ser humano desprezível. Muitas vezes, tudo aquilo que essa pessoa fez de bom na vida é apagado da perspectiva que você tinha dela, aparecendo apenas o que, na sua visão, ela fez de ruim, de condenável. É assim que você justifica e alimenta o seu desprezo por ela. E o pior é que muitas vezes você faz circular essa imagem, trazendo para o seu lado amigos, parentes e conhecidos que, com base nessas impressões fluidas, acabam formando suas opiniões.

Condenar uma pessoa é fácil. Difícil é se colocar no lugar dela [o que eu chamo de exercício de compaixão] e procurar entender o seu lado. Nessas horas, o ser humano costuma olhar apenas para si mesmo, para o seu orgulho ferido, para a sua humilhação (ou do parente ou amigo), e se esquece do outro e da sua interpretação das coisas. E a partir daí, a pessoa passa a ser simplesmente “a orgulhosa”, “a egoísta”, “a malvada”, digna do desprezo de todos.

Os fatos novos que surgem sobre essa pessoa e que vão contra essa imagem ruim acabam sendo desprezados por você. Na imagem depreciativa só cabem fatos que justificam a condenação. Isso é muito comum: “Pessoal, eis aqui a conclusão. Que fatos podemos reunir para confirmá-la?”. Quando o correto seria: “Aqui estão todos os fatos que conseguimos reunir. Que conclusão nós podemos tirar deles?”.

Mas o mais grave, a meu ver, é quando alguém constrói uma imagem depreciativa sobre uma pessoa com o objetivo de derrubá-la, para tomar o seu lugar, ou por pura vingança pessoal. Penso que esse tipo de atitude revela, além de um espírito medíocre, um grau acentuado de degenerescência moral.

E o interessante é que o contrário também acontece. Existem casos em que a esposa apanha do marido quase toda semana, sendo por ele tratada como um objeto de desejo ou uma simples escrava, mas mesmo assim ela procura criar (para ela e para os outros) uma imagem positiva desse homem. Será medo? Comodismo? Burrice? Amor? [É possível amar assim?].

Caro leitor, por hoje é só. Deixo você com uma bela citação do escritor português Eça de Queiroz (1845-1900), que ilustra bem o nosso tema:

“Assim passamos o nosso bendito dia a estampar rótulos definitivos no dorso dos homens e das coisas. Não há ação individual ou coletiva, personalidade ou obra humana, sobre que não estejamos prontos a promulgar rotundamente uma opinião bojuda. E a opinião tem sempre, e apenas, por base aquele pequenino lado do fato, do homem, da obra, que perpassou num relance ante os nossos olhos escorregadios e fortuitos”.