Doido é doido

DOIDO É DOIDO...

Ele se denominava na maioria das vezes de “Erivaldo”. Mas não se sabe seu nome ao certo, porque às vezes se dizia ser Francisco, João, Antônio ou qualquer outro nome que lhe vinha na cabeça.

Sua aparência era excêntrica. Alto, magro, branco, cabelos nos ombros e despenteados, avermelhados, pedaço loiro e outros pretos. Isso quando não raspava a cabeça nas laterais deixando no meio um tufo de cabelo que seguia da testa a nunca.

Estava sempre pedindo um trocadinho. Não gostava de pão nem frutas. Ou dinheiro ou café. Nada mais lhe agradava.

Tinha momentos de pessoa normal e inteligente. Quando percebia que seus pedidos estavam amiúdes oferecia-se para trabalhar. Seus serviços eram até de qualidade quando ele estava disposto. Limpava bem um terreno, fazia mandados e compra certinho. Jogava o lixo fora. Capinava as calçadas. Mas o difícil mesmo era ele querer trabalhar e encontrar quem lhe desse serviço. Sua aparência não oferecia credibilidade. Usava tatuagem, sempre armado com um facão afiado e todos comentavam suas proezas.

Um dia pediu a bicicleta emprestada do vigia e nunca devolveu. Sacou da parede o porta carta da casa de D. Clementina com carta e tudo para vender adiante. Até o número da residência do Dr. Ormeu ele subtraiu. E teve a coragem de dizer ao dono que encontrou no chão e veio devolver a custa de umas moedinhas.

Franzé não engolia as peripécias do “doidinho”, ameaçou várias vezes entregá-lo a polícia. Mas não tinha como provar que fosse o autor desses atos condenáveis. Ele além de doido era sabido. Fazia tudo com perfeição, não deixava rasto.

Um dia resolveu atuar em outra região. Nas redondezas onde morava já estava muito conhecido. Passando no centro da cidade perguntou a dona de um salão de beleza se ela não queria limpar a calçada. Ele estava com fome e precisando de uns trocados. E ganhou o serviço, começou fazer o trabalho. Nesse dia estava disposto. Uma cliente ao observá-lo, reconheceu o traste e passou rapidamente sua ficha para a dona do salão. Ele ao perceber que estava sendo reconhecido, ao ver a D. Manoela se aproximar cuidou logo de explicar antes de ouvi-la.

- Graças a Deus, a senhora me deu esse trabalho. Acredita que é difícil conseguir uma tarefa? Eu tenho um irmão gêmeo que é muito irresponsável. O povo me confunde muito com ele. Por isso nunca consigo uma ocupação.

O Sr. Juarez tinha um coração bom. Sabia de tudo, mas não gostava da implicância de Franzé. Defendia sempre o “Erivaldo”. Primeiro porque ninguém provara que foi ele que roubou a porta-carta de D.Clementina, nem o número do Sr. Ormeu. Ele jura que não vendeu a bicicleta do vigia. E seu Juarez era de boa fé. Ele era apenas desequilibrado. Não fazia mal a ninguém. Merecia uma oportunidade para provar que era honesto.

E um dia ele tocou o interfone da casa de Sr.Juarez sempre com a mesma conversa. Um trabalho. Já havia explorado demais o coração desse homem que lhe dava roupas, comida, café e “dinheiro”. O dono da casa mandou que ele capinasse o quintal e jogasse o lixo fora que ele lhe daria uma boa grana. E ele começou o serviço.

João o filho de Sr.Juarez, não gostou da atitude do pai. E disse:

- Pai, não ponha esse homem dentro de sua casa. Ele parece mais sabido do que doido. Tem uma péssima aparência. Todo mundo fala mal dele.

- Que nada, filho. Ele é apenas doidinho. Precisa de alguém que acredite nele. Veja como ele trabalha rápido. Tudo bem feitinho

Chegou a hora de João viajar. Ele morava em outra cidade estava apenas visitando seu pai. Abriu o porta-mala do carro e começou trazer as bagagens. Muito solícito o “doidinho” resolveu ajudá-lo. Levou o resto da bagagem, fechou o porta-malas e ficou aguardando uma gorjeta.

- Dr. Juarez, não perdeu a oportunidade de passar na cara do filho. Viu como tinha razão? Ele é uma pessoa boa e prestável.

João gratificou “Erivaldo”, achou até que seu pai estava certo. Despediu-se de todos e seguiu viagem.

Enquanto isso seu pai conferia o serviço do quintal. Tudo perfeito, limpinho. E indagou:

- Rapaz, onde você colocou o lixo?

- Está longe, como o senhor pediu.

- Muito bem, você fez o serviço bem feito além de rápido.

Pagou-lhe bem por essa tarefa. Ele mereceu. E o doidinho foi-se.

O telefone toca. Era João:

- Alô, pai.

- Oi filho, o que aconteceu?

- Aquele doidinho ainda está aí?

- Não, acabou de sair.

- Por que?

- Porque precisei abrir a porta-mala de meu carro e sabe o que encontrei dentro?

- Todo o lixo que ele tirou de seu quintal. Quando eu pegá-lo....

-

E agora Sr.Juarez? O que o senhor diz? Ele é doido? Safado ou sabido?

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 12/12/2006
Reeditado em 09/06/2020
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